sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Dois filhos de Francisco: a farsa e a comédia

Uma das coisas que ao contrário de me comover me causam náuseas é ver nobres poderosos comovidos com plebeus sem promover nada de objetivo por eles. Gente sórdida como a demoníaca madre Teresa de Calcutá comprova essa sensação. Tirem qualquer dúvida a respeito da mocreia do mal vendo este documentário aqui.

O papa Francisco é um desses raros casos em que é possível enganar todo mundo o tempo todo, começando, é óbvio, por enganar a mídia, com o cínico consentimento da própria. Engana até o google: não achei uma única foto da cochilada que ele deu quando esteve no Brasil, fingindo que era sul-americano. Ele cochilou durante um discursos modorrento de um ongueiro qualquer.

Nem vou mencionar (opa, já mencionei) que a seita em questão demorou 350 anos para "redimir-se" do que fizeram a Galileu e nem sei se pediram desculpas também Giordano Bruno, que não amarelou como o Galileu. A alergia das seitas à ciência é tão arraigada e vitoriosa do ponto de vista da seleção natural que dá medo. Demonstra, enfim, que Darwin tinha toda razão em sua genial descoberta com exceção do nome que sua teoria ganhou: "evolução". Não é possível admitir que um obeso mórbido de Arkansas que coleciona gatos seja mais "evoluído" do que um hábil hominídeo do Pleistoceno.

Quantos séculos demorarão para admitir o divórcio? Quantos gastarão para admitir que mulheres são seres humanos? Quantos levarão para se desculpar de seus atos terroristas ao longo de milênios?

O papa Francisco de Calcutá só quer uma coisa: dinheiro para sua corporação, receita esta que anda diminuindo ano após ano. Quer o que sua seita sempre quis, desde que roubou o velho testamento dos judeus e acrescentou um super-herói imaginário (sim, não há uma única evidência científica de que o messias da vez tenha sequer nascido, muito menos crucificado, muitíssimo menos ressuscitado). Sobre esse assunto de messias, minha fonte é A Vida de Brian, filme que esclarece tudo sobre a polêmica e só poderia ter sido feito pelo Monthy Python.

A seita católica quer dinheiro e poder, como qualquer seita de fanáticos, mas reclama dos evangélicos, que sempre foram muito mais eficientes nesse propósito. Parece o PSDB reclamando do PT: "Vocês roubaram nossos ricos!". Ou, neste caso: "Vocês roubaram nossos pobres!".

Sim, os evangélicos de tevê de fato "curam" alcoólatras e os transformam em bons pedreiros e empregadas domésticas. Substituindo as drogas pelas crenças (ocupando sistemicamente a mesma função cerebral e cognitiva), as seitas evangélicas têm um enorme sucesso na "cura" da dependência química, muito maior do que o Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, cuja margem de fracasso beira 70%, o que é uma margem nada recompensadora e muito desalentadora do ponto de vista científico, se é que psiquiatria é uma ciência verificável. Vai ver que é uma seita também.

A farsa


Nos fazem crer (eles adoram esse verbo, qualquer seita) que pagar uma conta de hotel com "o próprio cartão de crédito" seria um sinal de que o tal Francisco é contra os privilégios dos altos executivos da própria multinacional de que é o atual CEO.

O fato de terem mudado o comando, e colocado um CEO pra atrair a também desmoralizada teologia da libertação, pedófila tanto quanto a "igreja" que os progressistas diziam combater (escrevi sobre isso aqui) é mais uma prova de que estão desesperados por grana. Não deu certo com um nazista, vamos tentar com um oportunista.

A comédia


A comédia fica por conta da mídia brasileira, que realmente crê que os brasileiros são católicos. Quem são católicos são os donos da mídia brasileira, incluindo os judeus. Brazuca que é brazuca é mistureba, é dogão com purê e batata palha, é x-tudo, é tapioca-tudo. Evangélico com judeu, judeu com cristão, cristão com macumbeiro, candomblé com padre marcelo, padre marcelo com ecologista, ecologista com ayahuasca e ayahusca com evangélico. No meio disso, homeopatia, astrologia, medicina ortomolecular e voto obrigatório.

Caro leitor, me diga quantas pessoas você conhece que frequenta missas católicas. Agora calcule o tamanho do problema do CEO Francisco de Calcutá.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Nunca houve uma mulher como Ode







Ode era minha mãe, mãe dos meus irmãos e, hoje descubro, mãe reivindicada por mais um monte de gente da minha geração. Morreu sábado, 31 de agosto, aos 85 anos. Deixou um caloroso fã-clube de todos que a conheceram. Era elegante, irônica, inteligente, dissimulada, generosa. Não perdoava traições, mesmo que imaginárias, mas não economizava gentileza. Uma mulher complexa como toda mulher, mas poética como toda mulher especial. Criou, praticamente sozinha, cinco filhos que, opinião unânime de quem os conhece, também se tornaram especiais.

Meu irmão Ricardo escreveu um obituário na Folha que diz tudo, mas condensado nas limitações de caracteres. Está aqui. Este post é, em essência, o artigo do meu irmão, que resolvi escrever por extenso.

Hoje em dia, é cada vez mais fácil matar e cada vez mais difícil morrer. Não nos deixam morrer em paz. Os hospitais e médicos sequestram nossos velhinhos e os transformam em reféns de uma maquinário cada vez mais caro e sofisticado para manter sobrevidas indignas, sob tubos e contas milionárias.

Teimosa, mamãe driblou sensacionalmente essa indústria e morreu do jeito que escolheu: em casa, na sua cama, dormindo. Estava respirando e parou de respirar. Foi simples, sereno, suave. Sem dor, sem drama e sem o martírio que o esquema do adiamento da morte nos submete. Vi tudo, estava segurando sua mão, como num quadro renascentista católico, justo eu, um ateísmo sobre pernas.

A saga

Ode nasceu num navio no rio Abunã, na fronteira do Brasil com a Bolívia, pois o pai dela era seringalista. Nasceu em berço de ouro. Aos oito anos, ela e a irmã mais velha perderam o pai e a mãe pela tuberculose, um pouco antes de a penicilina chegar ao Brasil. Foi criada por padrinhos malvados que roubaram as coisas da família e acabou aportando no Rio de Janeiro. Foi criada por outra madrinha má, que mantinha um grupo de órfãs em troca de rapinar as heranças.

Sua irmã Olaia conseguiu fugir, casar e resgatar minha mãe do cativeiro. Quando Ode tinha 16 ou 17 anos, sua irmã morreu e deixou três filhos.

Ode se viu só, ela e o mundo vasto e ameaçador, em guerra mundial.

Naquela época, uma mulher trabalhar era uma afronta à estupidez vigente. A hipocrisia social discriminava e punia mulheres independentes e só não as mandava à fogueira porque estava fora de moda. A pioneira Ode não quis saber de nada disso: respirou fundo e fez o que tinha de ser feito. Ode tinha três empregos, estudava música, sonhava em ser maestrina e correr o mundo. Trocou isso por criar os três sobrinhos.

Quando ela se casou com meu pai, um jovem jornalista recém chegado de Pernambuco (Josimar Moreira), ganhava mais do que ele. A caretice de uma família nordestina carola forçou a Ode a... parar de trabalhar! Mais uma vez, ela respirou fundo: Ok, bora fazer o que tem de ser feito. Fez cinco filhos.

Deu tudo certo: meu pai teve uma carreira meteórica que o colocou, com incríveis 26 anos, no posto de diretor-geral de um grande jornal, a Última Hora de Samuel Wainer. Morávamos bem, comíamos bem, dormíamos bem. Conviveu com a alta sociedade e as altas cultura e costura. O pesadelo da solidão de Ode parecia superado.

Mas aí houve aquelas reviravoltas de novela: em 1965, a ditadura ainda bebê, meu pai foi assassinado pelo presidente da Câmara dos Deputados, um tal de Bilac Pinto, que mandou seu carro oficial atropelá-lo às duas da manhã, no Rio, quando ele saía da redação do Diário Carioca, que dirigia. Quando dirigia jornais, meu pai tinha muitos "amigos", centenas, que entupiam nossa casa aos domingos, para comer, beber e bajular. Quando ele morreu, evaporaram quase que instantaneamente, com exceção de um ou outro anjo.

Ode estava novamente só, ela e um mundo vasto e ameaçador, o país em guerra interna. Desta vez, com cinco filhos, entre 2 e 13 anos.

Ela, cinco filhos, uma casa e só.

Mais uma vez vez, respirou fundo e fez o que tinha de ser feito, como uma samurai. Nos criou.

Como ela fez isso?

Até hoje me esforço para entender como ela fez isso. Ela voltou a trabalhar como funcionária pública com um pequeno salário. Não tinha máquina de lavar ou empregada, só o lendário apartamento da Rebouças, amplo, muito antigo e meio detonado, que foi palco do nosso crescimento e testemunha de muitas revoluções, artes e amores intensos.

Lembro que, no auge da dureza, teve uma ideia genial: alugou uma garagem do apartamento da Rebouças para um sujeito que vendia ovos numa carrocinha, para usar como estoque. Como ele pagava o aluguel? com ovos. Estava garantido o suprimento de proteína para a prole.

Uma parte da ditadura caiu graças ao apartamento da Rebouças e meus amigos que frequentaram sabem que a Ode sustentava e dirigia aquilo com absoluta liberdade e admiração pelas maluquices que seus jovens filhos aprontavam lá.

Uma vez, seus três filhos militantes foram chamados a depor no Dops. Minha mãe estava lá, para nos resgatar. Quando o primeiro foi liberado, o guardinha disse: "Pronto, minha senhora, pode ir embora". E ela: "Não, não. Tem mais um." Aparece o segundo, e o guardinha repete: "Agora sim, minha senhora, pode ir." Ela também repete: "Não, não. Tem mais um." Então lançava um olhar altivo para o guardinha estupefato e estúpido.

Trabalhando na Assembleia Legislativa, às vezes ouvia de colegas reacionárias comentários condenatórios sobre cabeludos. Fuzilava as pafúncias: "Meus filhos são cabeludos e entraram na USP. Os seus estudam onde?"

Muitas amigas nossas, jovens, eram amigas de verdade da Ode. Visitavam, tomavam chá, trocavam confidências e pediam conselhos. Muitas vezes eu chegava em casa e encontrava uma delas que estava lá para conversar com a Ode, não comigo ou meus irmãos. Minha mãe não as tratava como filhas, apenas como amigas.

Ironicamente, a Ode dizia nos últimos tempos que a época de que ela tinha mais saudades era dos tempos da Rebouças, justo quando éramos mais pobres. Já velhinha, ficou triste quando soube que derrubaram o predinho de três andares.

Então insisto: como ela fez tudo isso? De onde ela tirou as ideias e as espadas para lidar com tantos monstros ao longo da vida? Ela perdeu o chão três vezes: aos oito anos seus pais, aos 16 sua sua irmã mais velha, aos 37 seu marido. Como num filme de samurai, venceu. Seus últimos trinta anos foram tranquilos, confortáveis e felizes. Aquele bando que ela criou com garras e dentes virou antropólogos, revolucionários, jornalistas, artistas, empresários e viajantes. Todos deram certo e configuram uma matilha admirada. O Supremo de hoje, em sua suprema esquisitice, enquadraria a Ode no crime de formação de quadrilha.

Seu último monstro era a velhice. A visão, a audição e a memória recente começaram a morrer primeiro. Tocava pouco piano, pela dificuldade com a partitura. Mas conseguia tocar Chiquinha Gonzaga.

"Detesto hospital. Tenho horror a cadeira de rodas ou ficar estirada numa cama". Repetia esse mantra quase todo dia, para quem quer que estivesse à sua frente.

Sua última batalha foi há poucos dias, quando, após uma queda, teve de ir ao hospital. Não quebrou nada, acharam uma infecção; queriam achar mais coisas, queriam internar e mantê-la no calabouço tecnológico. Queriam sequestrá-la. Ela se recusava a ficar no hospital e tanto infernizou os médicos que eles acabaram liberando seu tratamento em casa.

Remexendo suas coisas, filhos e netos iam encontrando pequenos bilhetes, como pistas de ovos de páscoa: "As joias vão para..."; "Fiquem unidos"; "Os vestidos do Denner são de..."

Tenho certeza absoluta de que foi tudo planejado.

Quando você edita a própria biografia, e essa biografia é a da Ode, não se precisa de mais nada deste mundo.

sábado, 13 de abril de 2013

Da série "Pior, impossível": O pior cartunista do Brasil



Ziraldo, daqui a uns 70 anos, tentando rir de suas próprias charges.


Considero Ziraldo Alves Pinto o pior cartunista do Brasil muito antes de ele ter sido agraciado com R$ 1 milhão de reais, mais pensão vitalícia, pelas horríveis dificuldades sofridas durante a ditadura; muitíssimo antes de ele ter sido humilhado em público pelo Millôr Fernandes por esse exato motivo ("Então era investimento?"; Millôr, saiba-se, também foi preso mas se recusou a receber a grana); e megaantes de o próprio Ziraldo se comover, às lágrimas, com a morte do Millôr, seu mais ácido crítico.

Ziraldo não é o pior cartunista do Brasil pelo seu caráter duvidoso, mas por um motivo muito mais importante: nunca teve graça. Descobri isso quando comecei a ler o Pasquim, em 1969. Como eu tinha 13 anos e não entendia quase nada do que estava escrito lá, tratava de olhar as figurinhas. As figurinhas do Jaguar, do Henfil e do Millôr eram engraçadas. As do Ziraldo, tão bem desenhadas, não tinham graça nenhuma. Uma vez li no Pasquim: "Ele tem um desenhímetro, uma espécie de taxímetro que liga quando a agência de publicidade encomenda um trabalho". Enfim, quando eu tinha 13 anos já achava o cara o melhor desenhista sem graça do Brasil.

Mas, circa 1976, quando caiu a censura prévia ao Pasquim, eu já tinha 20 anos. Já tinha lido notas do Ziraldo dizendo: "Dá-lhe, general!", em apoio a um milico pateta que a oposição da época resolveu apoiar. E comprei, na banca em frente à ECA, uma edição do Pasquim com um editorial histórico do Millôr dizendo mais ou menos o seguinte: "Não se enganem. Não dá pra confiar em liberdade concedida. Se esse jornal for livre, será recolhido". Foi, exatamente pelo texto do Millôr.

Seus desenhos nunca tiveram graça, não têm e nunca terão. Isso é gravíssimo para um cartunista, principalmente se o cara desenha tão bem. O cartunista só tem duas opções: ou é genial na piada ou é genial na ideia. Nos dois casos, tem de detonar, destruir, derrubar poderes. Ziraldo sempre gostou de fazer o contrário: aplaudir, construir e levantar. Não é possível ser humorista assim.

Seus personagens mais famosos (o Menino Maluquinho, a Supermãe, Jeremias, o bom) eram completamente anódinos; nunca chegaram aos pés, por exemplo, do sadismo do Fradinho, do Henfil, do absurdo do Capitão Ipanema, do Jaguar, ou de qualquer coisa que o Millôr rabiscasse, desenhasse ou apenas pensasse. Ziraldo nunca foi bom na arte de pensar. Em suas fotos, está sempre franzindo a testa, provavelmente pelo esforço.

Juro, procurei mas não achei na web uma única declaração de amizade ou admiração do Ziraldo em relação ao Millôr antes da morte do segundo. Com o Millôr devidamente enterrado, Ziraldo danou a tecer elogios ao seu "grande amigo". Chegou a comparar o Millôr a Chico Anysio, algo como comparar o Descartes ao Zeca Pagodinho. Então eu pergunto: como é possível alguém tão cara-de-pau ser engraçado?

Ser engraçado é sempre ser do contra, não tem jeito. "Livre pensar é só pensar", dizia Millôr. Ziraldo nunca fez uma coisa nem outra, nem no texto, nem no traço.

Por exemplo, compare isso, do Ziraldo...



... com isso, do Millôr:

"Jogar xadrez aumenta a capacidade de jogar xadrez"



quarta-feira, 10 de abril de 2013

Da série "Pior, impossível": O pior poeta do Brasil



Vinicius de Moraes, muitos anos depois de ter sido estranhamente nomeado diplomata e no momento exato em que avistava uma garota qualquer de qualquer praia, em qualquer ano.


Reza uma lenda segundo a qual Vinicius de Moraes só não foi admitido no Partido Comunista Brasileiro (uma espécie de Rotary Club que fez muito sucesso internacional até novembro de 1989 e praticamente inaugurou o sistema de franchising ideológico no mundo moderno) porque, ao declarar "Sim, sou devoto do camarada Stalin e quero me filiar ao PCB", ele tinha tomado meia garrafa de uísque e sua voz embargada fez o Carlinhos Lyra, que tinha tomado a outra metade, ouvir "PTB".

A outra razão plausível é que o nosso "poetinha" (nunca um apelido foi tão carinhosamente cruel) sempre se interessou apenas pela bola da vez. Quando a moda era Ipanema, viva o barquinho. Quando era o pecezão, viva Stalin. Quando a moda era a Bahia, viva oxalá, xogum, a tonga da milonga, dona canô e quem mais desse espaço na mídia. O que quer que mantivesse o diplomata longe de países cujo cargo lhe obrigasse o uso de aviões era motivo para fazer um "poema".

Vinicius de Moraes foi o pior poeta que o Brasil jamais fez nascer. Só não é tão nefasto quanto o Oscar Niemeyer (o pior arquiteto do Brasil, segundo este próprio blog), porque poemas felizmente não são constituídos de concreto, nem mesmo os dos concretistas.

Primeiro, vamos aos fatos


O Brasil produziu alguns bons poetas, nenhum de renome internacional, é lógico, mas compare um achado como esse:
Uma faca só lâmina
sem adjetivos, seco e sem quase nada,
com uma estupidez tipo quero-comer-essa-mina-na-minha-frente:
Silencioso e branco como a bruma
com dois adjetivos em apenas 30 caracteres, algo que deveria ser proibido pela lei de qualquer país. A tal "bruma", que provavelmente se chamava Bruna, teria sido vista da sacada de um navio. Por que num navio? Porque o nosso "poetinha" era diplomata pago com dinheiro público mas tinha medo de avião. Só viajava de navio, e olhe lá. O país que se adaptasse aos seus diplomatas.

Agora, ouçam essa:

A Bíblia já dizia 
Pra quem sabe entender 
Que há tempo de alegria 
Que há tempo de sofrer
Como um idiota que escreve uma bobagem dessas pode ser chamado de poeta? Eu é que sou um idiota ou li Lautréamont demais?

Agora, vamos às consequências


Vinicius de Moraes não é o pior poeta do Brasil apenas por ter sido tão brega e pouco inventivo ao lidar com palavras. Ele foi o principal vetor de um mal muito mais grave: destruiu, com a mediocridade de suas letras, a única pálida expressão internacional de cultura popular que nosso país produziu: a bossa nova.

Do ponto de vista estritamente musical, a bossa nova fez o que devia ter feito: aprendeu o que pôde com o jazz e misturou com o samba. Criou algo relevante extra-fronteiras de Salvador, de Ipanema ou dos ministérios da cultura. Tivemos, brasileiros, a sorte de ter um Mané Garrincha pra fazer o cozido, o João Gilberto, um sujeito que, assim como o índio de Pau Grande, nada sabia sobre os russos, e portanto pouco se lixava para o jazz.

As letras de Vinicius de Moraes tornaram a bossa nova intelectualmente ridícula.

A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar 
Voa tão leve 
Mas tem a vida breve 
Precisa que haja vento sem parar

Isso é tão boçal (em relação às complexas divisões melódicas do João Gilberto e aos bons achados harmônicos do Tom Jobim) que não é usado nem em propaganda da Casas Bahia.

Nossa sorte é que ninguém que importa fala ou entende português no planeta, razão pela qual a bossa nova conseguiu ser ouvida. O português é a quarta ou quinta língua mais falada no mundo, mas ninguém a aprende em lugar nenhum. Ainda bem. Teriam de aprender lendo as enganações tipicamente cariocas do nosso grande "poetinha".

Vinicius de Moraes era sobretudo um oportunista quase pedófilo. Fazia parcerias conforme achava que lhe garantiriam alguma notoriedade ou menininhas da vez. Trocou de parceiros à farta. Sua pior fase, na qualidade de pior poeta e maior assassino musical do Brasil, ainda estou em dúvida se foi com Baden Powell ou Toquinho (dois grandes savants instrumentais, por isso mesmo incapazes de duas coisa: de saber amarrar os sapatos e de saber que estavam entregando seu talento natural a um oportunista, como a criança que compra pipoca com drogas na porta da escola).

O cara era o pedófilo perfeito. Tão talentoso como pedófilo que suas vítimas nem sabiam que eram crianças. Enganava artistas de verdade, músicos. Artistas são crianças, não pela inocência, mas justamente pela crueldade. Mas como é fácil enganar um artista! Ofereça uma pipoca qualquer e qualquer Louis Aragon aceita, alegremente.

O fato de Tom Jobim ter se livrado de Vinicius de Moraes tão precocemente ainda não foi notado, esclarecido nem documentado. Alguém deve ter alertado o músico, mas não sei nada sobre isso.


segunda-feira, 8 de abril de 2013

Da série "Pior, impossível": O pior arquiteto do Brasil



"Estou pouco me lixando para o cliente", disse o arquiteto do pavoroso Memorial da América Latina


O nome do pior arquiteto do Brasil é Oscar Niemeyer. Pode ter sido um escultor célebre mas foi um péssimo arquiteto.

Numa entrevista à televisão, ouvi o Niemeyer falar o seguinte: "Estou pouco me lixando para o cliente. Eu desenho formas no espaço".

Para um escultor, é uma excelente definição do próprio trabalho. Para um arquiteto, é um desastre.

A diferença entre escultura e arquitetura é que a primeira não precisa prestar contas a ninguém e a segunda é escrava da sua função. É equivalente à diferença entre literatura e jornalismo, física e engenharia, pintura e design, biologia e medicina, matemática e contabilidade, filosofia e... bem, filosofia não tem nenhum equivalente prático que me ocorra.

É óbvio que as atividades técnicas têm relação íntima com seus equivalentes "puros", assim como há todas as evidências de que a arte e a ciência não são tão puras assim, uma vez que estão inseridas em contextos históricos e blá e blá e blá. Aqui estou falando das técnicas, ou seja, as técnicas devem muito à ciência e à arte e é muito bom que se inspirem nelas. Quando um jornalista consegue ser poético informando, é uma bênção. Quando um arquiteto projeta uma escultura habitável, também.

Da mesma forma, quando um pesquisador médico consegue descobrir a cura de uma doença graças à teoria da evolução também é ótimo. Tanto é assim que as descobertas atuais sobre o comportamento dos vírus "nocivos" se deve a uma investigação que estava pouco se lixando para as doenças humanas: a teoria da seleção natural. Darwin queria saber como a vida funciona e ficou tão surpreso com a consequência da própria descoberta (Deus não existe) que, por medo da mulher devota e chata, escondeu seus achados do mundo até um pouco antes de morrer. Dizem que ele só resolveu publicá-los por vaidade, uma vez que um outro cara estava quase chegando lá e ia ficar com a fama.

A prova de que Niemeyer era um arquiteto medíocre está construída pelo mundo, em concreto armado. Pode-se admirar suas obras nas fotos, mas experimente usá-las. Uma lenda de Brasília conta que o general Garrastazu Médici dizia o seguinte sobre o palácio da Alvorada: "Essa casa é uma merda. Se alguém frita um bife na cozinha, sinto o cheiro no quarto de dormir".

A anedota me foi contada como uma prova de que o general em questão era culturalmente limitado e insensível como um general. Mas sempre entendi que o milico tinha razão. Quando eu estava no colegial, fui à casa de um amigo filho de um arquiteto famoso, mais ou menos herdeiro da filosofia do Niemeyer. A casa era formal e conceitualmente ousada (na época estava na moda o concreto aparente e ambientes abertos e integrados), mas impraticável para uma família típica da classe média, como era, no final das contas, a família em questão, ou seja, os tais clientes eram a própria família do arquiteto.

Por exemplo: os jovens da família tinham de fumar maconha no telhado, pois os cômodos da casa eram separados por meias-paredes. Meu amigo também não tinha onde ouvir seus discos de rock, pois o pai, tão moderno na arquitetura, detestava a música dos filhos. A casa era tão inviável para se morar que a própria família implodiu. Os pais se separaram e a mãe se mudou correndo, com os filhos, para uma casa com portas, paredes e janelas. A mãe entendia que um adolescente só se sente livre quando está trancafiado em seu quarto.




Um dos fundadores dessa escola do concreto aparente e meias-paredes foi um arquiteto chamado Vilanova Artigas, um dos criadores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU) e autor do belo projeto da própria faculdade. Belo mas, como escola, uma merda. No andar superior, me lembro ser impossível dar ou assistir aulas. Primeiro porque as malditas meias-paredes faziam vazar o som de uma sala para outra. Segundo, porque o belo teto de abóbodas translúcidas deixavam entrar luz (pois não há janelas na FAU, vejam a foto) e também amplificavam tanto o som da água quando chovia quanto o calor quando fazia sol. Uma construção sem a menor preocupação térmica, acústica e, portanto, pedagógica.

Outros exemplos de arquitetura sem noção são as obras públicas do Niemeyer. O Memorial da América Latina, de São Paulo é o pior espaço público da cidade. Um enorme cimentado sem árvores, sombra, bancos ou qualquer conforto humano. O cara tinha essa mania: tirar qualquer coisa que pudesse "atrapalhar" a visão de suas maravilhosas e sinuosas "formas no espaço", baseadas nas "curvas da mulher e da natureza cariocas". Foi assim, "pouco se lixando para o cliente", que projetou uma coisa desagradável e horrenda (nesse caso, também do ponto de vista estético, pois aquela assustadora e gigantesca escultura de uma mão sangrando com forma de América Latina é de um realismo socialista tão brutal que dá medo).

Aí que está o ponto: o grande cliente do Niemeyer sempre fomos nós, pois a maior parte de suas obras são públicas. Burgueses com grana pra pagar seu cachê raramente o contratavam. No fundo, o stalinista Niemeyer estava pouco se lixando para nós, e no entanto foi enterrado como um herói do povo.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

As 30 famílias que mandam no Brasil




Conde Matarazzo, cuja família já mandou no Brasil.



 Tive oportunidade de conhecer e ficar amigo de um dos herdeiros de uma família muito importante, conhecida e poderosa no Brasil, influente há décadas, não importanto regimes e governos.

A hipótese de que algumas famílias mandam no Brasil sempre me causou curiosidade. O motivo é o seguinte: não é possível que um país deste tamanho seja governado pelos políticos, muito menos pelos eleitores que os elegem. Tampouco pelos juízes ou pelos meios de comunicação.

Um belo dia, tive a ideia de fazer a esse amigo uma pergunta direta: "Quantas famílias mandam no Brasil?"

Não perguntei sobre política. Minha hipótese era que tudo que os políticos fazem de relevante é cumprir ordens de um conjunto de grupos de interesses (que eu chamei de "famílias"). O que for irrelevante os próprios políticos resolvem. Uma leizinha aqui, uma maracutaia ali, nada disso é realmente relevante. Do ponto de vista dessas famílias, a única coisa que se espera dos políticos é manter a ilusão de que nos governam, ilusão esta que deve ser disseminada para o povo, para a mídia e para os próprios políticos.

Outra coisa que sempre me irrita e jamais me comove é o queixume da classe média (especialmente a paulistana), baseado na crença de que o Brasil é dividido, de um lado, por uma corja de políticos corruptos e funcionários públicos vagabundos e, de outro, por empresários empreendedores e trabalhadores honestos. Trata-se de uma estupidez, pois quem corrompe os políticos são justamente os empresários, para enorme benefício dos segundos, e ponto final.

Para as tais famílias, o que então é relevante? São coisas grandes do tipo: o regime político (pode ser qualquer um que mantenha a propriedade privada), a macroeconomia e o nome do gerente-geral, que também é conhecido como presidente da República.

Concluí que essas coisas importantes deveriam ser decididas em alguma espécie de clube. Não que fosse um clube compacto e coeso. Seria mais plausível que os membros do clube muitas vezes discordassem e competissem entre eles, mas que, em momentos decisivos, telefonassem uns aos outros e tomassem as grandes decisões. Também acontece de tomarem decisões desastrosas e depois serem "obrigados" a consertar a coisa de qualquer jeito.

Que tipo de coisas eles governam?


Exemplos de decisões relevantes na história recente do Brasil, usando só eventos políticos como exemplo:
- implantar a ditadura militar em 1964
- encerrar a ditadura em 1985
- impedir o PT de ganhar as eleições em 1989
- deixar o Lula ganhar em 2002 e governar por quanto tempo quiser.

A retirada da Constituição da restrição aos juros bancários, em 2003, foi um exemplo de como as coisas acontecem. Se tiver curiosidade, veja os detalhes aqui, neste blog.

Exemplos de problemas irrelevantes:
- a segurança pública
- o número de ministérios
- a carga tributária
- o desmatamento da Amazônia (e a emissão de CO2 e quase todas as questões ecológicas)
- o julgamento do mensalão
- a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara
- enfim, tudo o que a classe média paulistana acha que "atravanca" o progresso do país. 

Parece teoria conspiratória, daquelas de filme americano onde "as mãos invisíveis do Sistema resolvem tudo e não há o que o nosso herói possa fazer". Acontece que a teoria era conspiratória mas deixou de ser depois da tal entrevista e além disso, convenhamos, não temos heróis.

A resposta


Foi por isso que fiz a pergunta ao meu amigo com esses termos: "Quantas famílias mandam no Brasil?"
"Umas 30", ele disse, com a maior naturalidade.
"E a sua família está nessas 30?"
"Já esteve. Hoje tá meio na beirada..."
Senti um tom levemente maroto, embora sincero, na última resposta.

Obviamente fiquei perplexo, não pelo número, mas pela imediata concordância com minha tese: de fato, um grupo de famílias manda no Brasil.

Mas não fui jornalista na ocasião. Não tomei papel e lápis ou gravador e perguntei: "E quem são essas famílias? Me dê nomes". Fiquei tão feliz com a comprovação da hipótese que esqueci de perguntar os detalhes. Na verdade, não fui jornalista porque o cara é meu amigo e jornalistas não têm amigos. Quando um jornalista faz amizade com uma fonte (ou mantém a amizade depois de entrevistar um amigo), algo de errado aconteceu.

Ele poderia ter dito que que não há um grupo de famílias, que tudo se resolve dentro do complexo jogo político, ou dos lobbies, da relação de forças sociais e econômicas ou de qualquer outro jeito. Mas eu perguntei especificamente sobre famílias. E ele respondeu que sim, um grupo de famílias decide o que realmente importa. Esse grupo muda com o tempo, algumas famílias são alijadas, outras incluídas, nada é formalizado, mas que as há, sim, as há.

Então tratei de imaginar a composição do clube, fazendo uma conta menos pela participação dos seus negócios no PIB e mais pela sua importância estratégica para fazer esse país-continente funcionar sem deixar que as coisas relevantes escapem às suas mãos.

A composição do clube


Ficou assim:

- Empresários: 7. Cuidam dos produtos, dos serviços e dos empregos formais.
- Fazendeiros (donos de agronegócios): 5. Cuidam da comida.
- Banqueiros e afins: 5. Cuidam do dinheiro.
- Mídia e comunicações: 4. Cuidam de divulgar as decisões da turma e fazer tudo parecer um grande jogo.
- Comerciantes: 2. Cuidam da distribuição de produtos.
- Construtores: 3. Cuidam das estradas, usinas de energia elugares para se viver e morar.
- Políticos: 3. Cuidam de evitar que o povo atrapalhe as decisões da turma, controlando as votações no congresso, a polícia e demais funções públicas.
- Presidente da República: 1. Põe a cara pra bater. Se sair da linha por qualquer motivo, é demitido, pede demissão ou se mata. Se for amado pelos povo e mantiver as questões relevantes inalteradas, será mantido no poder por décadas e décadas.

Você deve estar perguntando: mas, e as multinacionais? E a CIA? E o demônio?


Ora, eles agem através dessa turma, é simples assim.

A outra pergunta seria sobre os militares, que governaram o país durante tantos e tão recentes anos.

Convenhamos, o exército brasileiro não participa como protagonista de uma única guerra desde a Guerra do Paraguai. Nos últimos 50 anos, só deu tiros contra os próprios brasileiros, mas isso a mando das 30 famílias, uma vez que, em 1963, o Tancredo Neves não foi convincente como primeiro ministro e a coisa parecia estar escapando ao controle. Além disso, ditaduras militares estavam ou em breve entrariam na moda na América do Sul. Tem mais: tente explicar, de forma plausível, por que os militares brasileiros entregaram o poder de maneira tão pacífica. Foi porque não gostavam mais do poder ou porque receberam uma ordem para voltar aos quartéis?

Concluindo, se você está indignado com alguma coisa, faça barulho, organize um movimento, lute como for necessário e batalhe até o fim pela vitória. Se o seu projeto não alterar ou prejudicar os interesses contidos nos Assuntos Relevantes das 30 famílias que mandam no Brasil, boa sorte.

quarta-feira, 13 de março de 2013

João Gilberto só fez um disco fundamental


João Gilberto é o artista da música brasileira realmente relevante para o mundo. A música popular brasileira é bastante relevante no seu conjunto, mas nossos músicos, individualmente, não. Nenhum deles foi, como João Gilberto, um inventor de porte, daqueles que descobrem a lei da gravidade ou a contrariam.

João Gilberto é o nosso Charlie Parker, que aliás tinha o Dizzie Gillespie como "pensador" e protetor, assim como João Gilberto teve seu Tom Jobim. Jobim, óbvio, também foi relevante, pois compôs canções que tocavam quase tanto quanto as dos Beatles. Mas era "apenas" um grande compositor de música popular. Como músico, péssimo, só fazia shows porque não recebeu nem 10% dos direitos autorais a que teria direito. João Gilberto e Charlie Parker são de outra categoria, pois reinventaram tudo o que havia para reinventar -- e executavam.



O disco de que eu falo se chama "João Gilberto'. Foi gravado nos Estados Unidos e lançado no Brasil em 1973 (lá embaixo tem a lista das faixas). Tinha uma capa branca, com letras e foto em sépia e com o nome do disco em relevo na versão em vinil.

A arte de destruir a arte

Quando virou CD, parece que em 1988, mais uma lenda ligada ao João Gilberto surgiu: teriam perdido as matrizes da gravação do LP (com a mixagem conferida milimetricamente pelo autor) e fizeram de qualquer jeito. Não tenho ouvido milimétrico, mas sei que destruíram o final de uma das músicas, "Valsa (Como são lindos os Yoguis) (Bebel)". A música tem uma harmonia circular, meio infantil e hipnótica (talvez tenha sido composta para fazer a filha dormir), que só se resolve num último acorde simples mas completamente inesperado, pois parece que nunca chegaria mas finalmente vem. Na versão em CD, resolveram mudar o final da música e dar um "fade-out" (ir diminuindo o volume) e dane-se a resolução. O último acorde desapareceu, ficou apenas pra quem tem o vinil.

A lenda é que o artista processou a gravadora e parece que durante um tempo não era possível mais comprar o CD. Uma vez, nos anos 90, perguntei à assessora de imprensa da gravadora em questão sobre esse assunto; ela desconversou e nunca mais falou comigo... Parece que aí tem.

Não tenho mais o vinil e portanto não consigo comparar o resto dos erros em relação ao original; mas dizem que é um crime atrás do outro. O jeitinho brasileiro é de vomitar, não tem jeito.

O disco de 1973 tem apenas o João Gilberto na voz e violão, a Miúcha fazendo segunda voz em uma faixa (Izaura) e uma bateria completamente discreta de Sony Carr, provavelmente o único baterista americano da história que entendeu o samba e conseguiu suportar João Gilberto. Ouvi o disco umas 500 vezes nesses 40 anos. "Tirei' algumas das harmonias no violão, pra entender o que estava acontecendo. Em 1973 eu era músico e sabia fazer essas coisas.


[A partir de agora, todas as informações objetivas deste post vêm do que eu lembro ter lido em livros, especialmente "Balanço da Bossa", do Ruy Castro. As opiniões aí misturadas naturalmente ficam por minha conta.]

Como se livrar de arranjos cafonas

Digo que este é o único disco fundamental de João Gilberto pelo seguinte: antes de gravá-lo, ele era obrigado, no Brasil, a suportar arranjos horrendos e datados, orquestrinhas de todos os tipos, porque a indústria fonográfica brasileira da época tinha acordos com os músicos e arranjadores que consistiam em empurrá-los no máximo possível de gravações. Além disso, segundo li e sou capaz de comprovar ouvindo, os produtores davam um jeito de "limpar" as gravações, tirando ruídos, incluindo, no caso do João Gilberto, suas respirações e pequenos estalos de língua.

A gravação de "Chega de Saudade", considerada o marco inicial da bossa nova, é descrita por Ruy Castro de forma hilariante. Tom Jobim pra lá e pra cá, tentando fazer a orquestrinha se entender com o maluco, que sempre achava algo de errado, e finalmente explodindo com o cantor. Depois de horas de absoluto estresse no estúdio, com João Gilberto apontando o quadricentésimo problema e os músicos quase pedindo demissão, ele teria dito algo do tipo: "Calma, Tom, você é brasileiro, você é preguiçoso..."

Quando ele conseguiu gravar nos Estados Unidos, onde já era endeusado desde 1962, longe dos produtores analfabetos brasileiros, teve finalmente liberdade total.

O resultado é um disco único, fundamental. Uso a palavra fundamental com o seguinte sentido: aquilo que reúne e demonstra, de forma inequívoca e clara, os fundamentos de algo. Os fundamentos da música de João Gilberto são os seguintes:
1. Corrija os compositores das canções. Eles têm boas ideias, mas não entendem nada.
2. Não faça nada, absolutamente nada que não seja o necessário.

Para quem não entende nada de música, muito menos por que um cara tão chato fez tanto sucesso internacional, recomendo um experimento:
a) Tente cantar "Águas de Março" junto com a gravação da Elis Regina ou qualquer outra. Conseguirá facilmente.
b) Tente fazer o mesmo com a versão do João Gilberto dessa música nesse disco. Não conseguirá. Ele faz uma operação matemática tão complexa com a divisão da melodia (adiantando as frases, mas de um jeito que milimetricamente continua combinando com os acordes), que quase ninguém é capaz de acompanhar. O mais curioso é que, se tiver ouvidos leigos, você só repara que alguma coisa louca está acontecendo quando tenta cantar junto. Se apenas ouvir, parecerá normal. São mágicas desse tipo que fizeram de João Gilberto um artista completamente fora da curva.
Clique aí e tente cantar junto:



Tenho a impressão de que João Gilberto teria gravado esse disco em 1958, se pudesse. Penso que nesse disco ele fez o que sempre quis fazer, em harmonia, divisão e canto. Mais do que em "Chega de Saudade" e todos os outros discos juntos.

Em outras palavras: antes desse disco, João Gilberto era sufocado pelos arranjos cafonas, o que tornava impossível ouvir sua música.

Depois disso, não havia mais o que fazer; ele apenas se repetiu e se repete até hoje, tentando ganhar algum dinheiro para pagar os inúmeros processos. Não que se repita propriamente, pois ele jamais toca a mesma música duas vezes do mesmo jeito (quem jura conviver com ele diz que ele nunca faz isso nem sozinho, muito menos em discos ou shows). Aliás, pelo que se sabe da sua obscura biografia, ele está pouco se lixando se repete ou não, ou o que achamos disso. Só digo que nesse disco branco conhecemos por que o cara veio ao mundo. E isso não mudou nos discos e shows que vieram depois.

Portanto, é muito bom que ele tenha feito um disco fundamental, e melhor ainda que tenha feito só um. Os outros artistas da música brasileira não fizeram isso e dificilmente farão. Nem quando se juntam em bando: Tropicália, ouvido hoje, é apenas anedótico, mesmo com a ajuda de feras como Rogério Duprat. Veja que "fundamental" é diferente de "histórico". O disco branco de João Gilberto é completamente resistente ao tempo e ao espaço.

E olha que eu estou falando da segunda melhor música popular do mundo, que é a brasileira (a primeira é a norte-americana, é óbvio, mas pensando bem as duas são africanas). Imagine as pavorosas músicas populares francesas, italianas ou alemãs.

Mesmo o tango, argentino, é enauseantemente lacrimoso e arrogante. Se for pra ser corno, é muito melhor ser o corno do Lupicínio Rodrigues do que o do Gardel: pelo menos não vão dar risada de você. No dia em que os argentinos pararem de chamar os negros de macacos, terão finalmente uma música popular relevante e não apenas anedótica.


Obs 1:
As faixas são as seguintes:

"Águas de Março" (Tom Jobim) – 5:23
"Undiú" (João Gilberto) – 6:37
"Na Baixa do Sapateiro" (Ary Barroso) – 4:43
"Avarandado" (Caetano Veloso) – 4:29
"Falsa Baiana" (Geraldo Pereira) – 3:45
"Eu Quero um Samba" (Janet de Almeida, Haroldo Barbosa) – 4:46
"Eu Vim da Bahia" (Gilberto Gil) – 5:52
"Valsa (Como são Lindos os Yóguis)" (João Gilberto) – 3:19
"É Preciso Perdoar" (Alcivando Luz, Carlos Coqueijo) – 5:08
"Izaura" (Roberto Roberti, Herivelto Martins) – 5:28

Obs 2:
Hoje, 10 de março de 2013, a Wikipédia brasileira, no verbete sobre este disco, tasca o seguinte: "João Gilberto, violinista brasileiro...". Ou seja, João Gilberto toca violino. O resto do verbete é mal traduzido do verbete da wikipedia americana. Traduz "guitar" por guitarra etc. Fala que o disco é "psicodélico". Adoro o projeto wikipédia, mas não consigo suportar o analfabetismo.


terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Exagerado!

Hoje estive num cemitério onde o Claudião seria cremado. Encontrei a Cacá, minha afilhada pagã (depois explico o sistema, mas basicamente consiste em os afilhados escolherem os padrinhos, com direito a demiti-los e trocá-los, livremente), disse a ela que cuidaria dela e soube em seguida que TODO mundo se ofereceu pra cuidar dela.
Acontece que a Cacá é uma mulher completamente linda e bem-sucedida: inventou com uma amiga um evento de moda off-brodway chamado NOVO, que causa inveja... nos caras do SPFW. Ou seja, é muito mais previsível que a Cacá cuide de todos nós, velhinhos, incluindo o Paulo Borges.
A Cacá é um exagero de lindeza, criatividade e carisma. Uma vez, ela e minha filha (duas criaturas inseparáveis durante décadas) foram a uma festa à fantasia cujo tema era: Duplas Famosas. Elas escolheram catchup e mostarda. A Cacá, toda de amarelo, a Júlia, toda de vermelho.
Mas a origem desse exagero (no caso da Cacá, de lindeza e carisma) ela trouxe do pai.



O Claudião era um exagero sobre pernas. Tudo o que fazia, respirava, ria, falava, vivia ou inventava tinha 50% a mais no potenciômetro. Meu irmão chegou a dizer que o Claudião não tinha potenciômetro: era zero ou um milhão.
Lembro de quando sentamos no Galinheiro Grill, na Vila Madalena, as crianças ainda crianças. Chegou o garçom, olhei para o Claudio e pedi: dois chopes. E ele: "Dois pra mim também". E explicava que o primeiro era pra matar a sede, o segundo pra começar a beber.
Muito antes disso, quando nem o conhecia direito, ele trabalhava numa produtora de shows, que tinha um problema sério que consistia em não ter artistas. Pois o Claudião, com argumentos exageradíssimos, convenceu o dono da produtora que o que faltava era um caminhão para carregar os equipamentos. Foi tão exageradamente convincente que o cara topou e ainda encarregou o próprio Claudião de escolher e comprar o caminhão.
Foi o que aconteceu. O único problema é que o caminhão era tão enorme e comprido que não cabia na ruazinha onde a produtora tinha sede. Hoje, serenamente, concluo que o problema não era o tamanho exagerado do caminhão, mas sim o exagero da timidez da rua.
Claudião comprou cavalos, apartamentos enormes, fez viagens incríveis, teve mulheres alucinantes, deu golpes fantásticos, teve prejuízos tremendos, tudo 50% a mais do que seria razoável ou crível. Quando ele dizia que tinha feito algo errado, não era uma erro: era uma tragédia colossal.
Quando contava uma piada e ria, 50% dos vizinhos do bairro ouviam a piada e a risada.

Mas o fato é que o cara era exagerado sobretudo no amor e na amizade. Aí não era 50% a mais: era tudo elevado a tudo. Nunca ninguém foi tão exagerado na solidariedade quanto o Claudião. Ninguém.

Com a morte do Claudião, vejo a mim mesmo e a todos os outros de nós, com nossas pequenezas e nosso apego mórbido pela saúde e pela vida. Eu me sinto miúdo e covarde perto do Claudião.

Não pude ficar até o fim da cerimônia, mas sugeri às crianças que tocassem "Exagerado" como trilha. Elas gostaram da ideia. Tomara que tenham conseguido baixar nos iCoisas e tocar.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Pedofilia da Libertação: um caso real


Leio que há gente "torcendo" para que o próximo papa de uma seita católica muito popular seja "progressista" e não "conservador". Católicos progressistas (termos absolutamente contraditórios) entraram na moda nos anos 60, particularmente quando conseguiram eleger João 23, um papa que ficou pouco tempo no trono, só uns poucos anos. As teses dessa gente foram reunidas por aqui sob a alcunha de "Teologia da Libertação", outra dupla de termos que juntos não fazem o menor sentido. No Brasil o principal nome era dom Helder Câmara, na parada de Recife, e um tal de Boff, por favor não me obriguem a fazer piada sobre o nome de nenhum dos dois.
A ala progressista da igreja foi responsável por vários feitos importantíssimos para nosso cotidiano. No Brasil, o principal deles foi fazer as missas serem ministradas em português e não em latim. Houve também a deduragem que resultou no assassinato de Mariguela, pois os progressistas não parecem ter sido tão resilientes à tortura quanto seu personagem preferido, Jesus. Em vez de oferecer a outra face aos torturadores, preferiram entregar onde seria o encontro com o líder da ALN, naquela esquina da alameda Casa Branca. Um preso da época, que tem dois "T" no nome artístico, nega qualquer possibilidade de deduragem. Teria sido tudo obra da prestidigitação do delegado Fleury.
Depois de João 23, a ala progressista não conseguiu emplacar mais nenhum papa. Manteve um arcebispo aqui, outro ali, mas nada de muito relevante.

De maneira ativa, fui à igreja só três vezes na minha vida: quando fui batizado, com poucos dias de vida; na primeira comunhão, aos seis anos, e na missa de sétimo dia da morte do meu pai. Nessa ocasião, eu já era ateu mas ainda não tinha certeza.
Infelizmente eu não me lembro do nome dele, o pedófilo. Mas, como eu tinha só oito anos, vocês vão relevar.
Em outubro de 1965, meu pai foi assassinado pelo carro oficial do presidente da Câmara Federal, Bilac Pinto. Meu pai era jornalista e na época, aos 38 anos, dirigia o Diário Carioca, no Rio de Janeiro. Às duas da manhã, saiu do jornal e, ao atravessar a avenida Rio Branco, foi atropelado duas vezes pelo mesmo carro e morreu depois de algumas horas, no hospital.
Meu pai, um sujeito de esquerda mas não vinculado a nenhum partido ou organização, havia dirigido até março de 1964 um tabloide chamado Brasil Urgente, semanário de esquerda financiado fartamente pelos frades dominicanos, que representavam a tropa de elite da Teologia da Libertação no Brasil. Frei Carlos Josaphat (que está vivo até hoje, diz o site, e aparece em fotos da minha família, atento às crianças) era o líder. Mas outros freis ficaram famosos, como o frei Tito (que deu aula na escola onde estudei e depois de torturado resolveu se enforcar em Paris) e o atual frei Betto.

Vamos aos fatos: os palavrões falados no ouvido de um frei progressista, a pedido

Uma semana após a morte do meu pai, fomos levados, todos da família, à sede dos dominicanos em São Paulo, no bairro de Perdizes, para uma concorrida missa de sétimo dia.
Logo percebi que não se tratava de uma missa normal, mas sim uma missa típica da Teologia da Libertação. Os três filhos meninos do morto (as filhas fêmeas foram pra outro lugar, não sei qual) fomos levados a uma sala onde um frade nos explicou algo assim: "Vamos fazer a confissão. Mas a confissão mudou, não é mais ajoelhado na frente daquela janelinha. Vamos apenas conversar, nós quatro, sobre os pecados de vocês".
Achei aquilo muito esquisito. Dois anos antes, no cursinho para a primeira comunhão, tinha aprendido até a decorar pecados de uma lista que havia na lousa, associando cada pecado a um dedinho, para não esquecer nenhum na hora H. Agora aparecia aquele sujeito falando em "confissão coletiva".
Constrangidos, começamos a balbuciar vagamente pecados como brigar, desobedecer a mamãe etc. Tentamos evitar o assunto, mas o frade foi preciso:
"Meus meninos, vocês falam palavrão?"
Olhamos uns para os outros, mais constrangidos ainda. Provavelmente o mais velho deve ter respondido:
"É... falamos."
Então veio a pergunta, de chofre:
"E quais palavrões vocês falam?"
Era demais. Sem combinar nada, apenas ficamos mudos. Onde já se viu? Falar palavrões para um padre, ainda mais na frente uns dos outros? Mas o frade era experiente com as revolucionárias novas práticas da Teologia da Libertação:
"Entendo, vocês devem estar com vergonha. Então vamos fazer o seguinte: vocês três vão até aquele canto da sala, eu chamo um por um e vocês falam os palavrões aqui, no meu ouvido. Ninguém vai ouvir, só eu."

Fim dos fatos

Mecanismos de memória identificados por Freud me impedem de lembrar o que aconteceu a seguir. Não me lembro que palavrões eu falei no ouvido do frade, se ele encostou em mim, se me fez sentar no seu colo, se segurou minha mão enquanto ouvia, se respirava fundo, ofegante e gemendo de prazer.
Só tenho certeza do nome disso: pedofilia.
Torçam, idiotas, por um canalha progressista nessa idiotia tão disseminada e vitoriosa. Fico só imaginando que progresso virá.
Canalha por canalha, que tal um canalha sincero?

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Lugar de jornalista é no inferno





Como cantou Tati Quebra Barraco: calma, minha gente. Não estou querendo mandar os jornalistas para o inferno.
Afinal, por falta de talento suficiente pra qualquer coisa, também sou jornalista. Estou apenas dizendo em que lugar os jornalistas devem estar e por que são pagos para isso. Além disso, gostaria de demonstrar a hipocrisia dos leitores que reclamam que os jornais "só trazem notícia ruim".
Lugar de jornalista é no inferno pelos seguintes três motivos:

1. O céu não é notícia e não tem mulher bonita

Além de ser um lugar extremamente chato (aliás, por isso mesmo) no céu dos crentes monoteístas (99% dos brasileiros) não acontece nada. Como tudo é perfeito, não há motivo para nada acontecer. Só acontecem eventos em ambientes desequilibrados e imperfeitos, como na natureza terrena, na física e na ciência em geral. No céu, vigora a homeostase plena. A temperatura é o zero absoluto.
Por que um empreendimento de mídia chamado Diário do Céu seria um fracasso?
Imaginem a capa do Diário do Céu, edição 2.190.000 (esse é o número de dias desde que existe o céu; o céu tem 6 mil anos, como todos sabem):

Ministério dos Dinheiros anuncia que a inflação de janeiro foi zero; cotação do sestércio continua inalterada em relação ao dracma

Deus concorre com ele mesmo à presidência e conquista sua 547.500a reeleição com 100% dos votos; eleito anuncia que nada mudará em seu 547.500o mandato


No Brasil, 236 jovens morrem em Santa Maria mas as almas passam bem [censurado porque pode parecer aquela charge que horrorizou um monte de jornalistas]


No Oceano Índico, tsunami de Natal mata 230 mil pessoas mas as almas passam bem

Madre Teresa de Calcutá ganha concurso de Miss pela 15a vez; Zezé Macedo continua inconformada, mas resiliente


Templários têm novas provas contra Satanás; "O cara é do mal", afirmam


Imagens de Jesus naquele vídeo do Youtube onde ele faz trejeitos de gay são falsas, diz Santo Agostinho


Vamos combinar: alguém leria um jornal desses? Claro que não.
Em primeiro lugar, porque a capa do Diário do Céu é sempre a mesma. As páginas internas, também. Como nada acontece, os jornalistas do céu escrevem sempre as mesmas matérias, com os mesmos textos, títulos, fotos, ilustrações e design.
As almas dos jornalistas que vão para o Céu, tão logo chegam, são imediatamente contratadas, pois no céu não há desemprego. Como as desnotícias são sempre as mesmas, não há como cometer erros, razão pela qual no Diário do Céu não há aquelas costumeiras ondas de demissões um pouco antes de cada dissídio. Também não há processos contra jornais ou jornalistas, devido à absoluta e conhecida ausência de advogados no Paraíso.
Na verdade, as poucas almas dos jornalistas que vão para o céu já chegam desempregadas e assim permanecem para toda a eternidade. É que o Asilo dos Jornalistas Desempregados, no céu, se chama Diário do Céu. Jornalistas que vão para o céu são tão ingênuos que caem alegremente na pegadinha.
Quanto ao quesito "mulher bonita", há controvérsias. Angelina Jolie, cujo rosto e corpo foram obviamente esculpidos pessoalmente pelo Demo e que roubou o maridão da boa-moça Jennifer Aniston na caruda, danou a se meter em ONGs e adotar pobrezinhos. Pode ser que vá para o céu, mas o Coisa-ruim, cercado dos melhores advogados, vai reivindicar sua alma, alegando direito de imagem. O fato é que não há revistas no céu, razão por que jamais saberemos o que vai rolar.

2. Leitores só gostam de má notícia

É lugar-comum achar que os jornais só trazem más notícias porque os donos dos jornais e os jornalistas têm algum problema psicológico.
Donos de jornal gostam de vender jornal; se boas notícias vendessem jornal, ocultariam as más e só publicariam as boas. É tão óbvio que dá preguiça até de digitar.
Quem gosta de má notícia é o cidadão. O motivo é um só: comemorar que aquilo não aconteceu com ele. É o mesmo mecanismo que move as piadas: sempre alguém se dá mal na piada, e o sujeito que ri comemora -- através da risada -- o fato de não ser tão desgraçado quando o infeliz que se ferrou na piada.
Não existe piada do bem por essa simples razão: piadas do bem não têm graça.
Achar que o jornalista é uma espécie de corvo, ou abutre, é hipocrisia. Jornalista, no máximo, é o garçom da refeição dos verdadeiros abutres: os leitores. São os leitores que gostam de carniça, não os jornalistas. Nenhum jornal é imposto goela abaixo dos leitores. Jornais quase sempre são comprados, ou seja, alguém dá dinheiro e quer algo em troca. Mesmo os jornaletes gratuitos "cobram" do leitor o seu tempo, assim como os notíciários de TV, os programas de rádio e os portais de internet. Afinal, estou falando de jornalismo; o tal jornal de papel é só seu mais famoso e antigo símbolo.

3. O deus dos jornalistas é Mercúrio

O deus-símbolo do jornalismo, pelo menos aqui no Brasil, é Hermes, ou Mercúrio. Muita gente pensa que é porque ele era o mensageiro e tinha asinhas nas sandálias. Não é. É porque ele era o único deus do Olimpo a quem era facultado entrar no inferno (na verdade, no Mundo dos Mortos) e sair dele, trazendo notícias de lá para os vivos.
O inferno da mitologia grega era o reino de Hades, protegido, em sua entrada, pelo cão Cérbero, uma criatura assustadora, programada para deixar qualquer um entrar e ninguém sair. Ninguém, menos Hermes, que podia conduzir almas para lá e voltar alegremente com as notícias. Hermes tinha livre trânsito entre o inferno e os palácios, exatamente como os jornalistas de hoje.
Jornalistas são assim: se houve corte de custos no jornal e o repórter for azarado, de manhã estará no massacre do Carandiru, à tarde no lançamento de um carro de luxo e à noite cobrindo Santos X Corinthians.

Lugar de jornalista é onde as coisas acontecem, não onde não acontecem. "Acontecer", no vocabulário do leitor, é um evento extraordinariamente ruim, que merece ser evitado. Mesmo notícias do tipo "Acabou a Guerra" de 1945 só são boas porque o leitor comemora: não vou morrer como os outros 30 milhões de infelizes. Nunca houve uma manchete assim: "Não Começou a Guerra".
Isso inclui assessores de imprensa: quanto mais problemas as empresas tiverem com a mídia, tanto melhor, o que inclui problemas do tipo: "por que meu concorrente aparece mais do que eu?". Se não tiverem problemas, as agências de publicidade são suficientes.
O jornalista, quando pensa em seu emprego, torce secretamente, mas nunca publicamente, para que o pior aconteça. Publicamente, em alguns casos até para si mesmo, dirá que sua missão é a busca da "verdade", que representa o "quarto poder" etc etc.
Esses nunca se tornam editores, nem diretores de redação, muito menos donos de jornal.