terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Exagerado!

Hoje estive num cemitério onde o Claudião seria cremado. Encontrei a Cacá, minha afilhada pagã (depois explico o sistema, mas basicamente consiste em os afilhados escolherem os padrinhos, com direito a demiti-los e trocá-los, livremente), disse a ela que cuidaria dela e soube em seguida que TODO mundo se ofereceu pra cuidar dela.
Acontece que a Cacá é uma mulher completamente linda e bem-sucedida: inventou com uma amiga um evento de moda off-brodway chamado NOVO, que causa inveja... nos caras do SPFW. Ou seja, é muito mais previsível que a Cacá cuide de todos nós, velhinhos, incluindo o Paulo Borges.
A Cacá é um exagero de lindeza, criatividade e carisma. Uma vez, ela e minha filha (duas criaturas inseparáveis durante décadas) foram a uma festa à fantasia cujo tema era: Duplas Famosas. Elas escolheram catchup e mostarda. A Cacá, toda de amarelo, a Júlia, toda de vermelho.
Mas a origem desse exagero (no caso da Cacá, de lindeza e carisma) ela trouxe do pai.



O Claudião era um exagero sobre pernas. Tudo o que fazia, respirava, ria, falava, vivia ou inventava tinha 50% a mais no potenciômetro. Meu irmão chegou a dizer que o Claudião não tinha potenciômetro: era zero ou um milhão.
Lembro de quando sentamos no Galinheiro Grill, na Vila Madalena, as crianças ainda crianças. Chegou o garçom, olhei para o Claudio e pedi: dois chopes. E ele: "Dois pra mim também". E explicava que o primeiro era pra matar a sede, o segundo pra começar a beber.
Muito antes disso, quando nem o conhecia direito, ele trabalhava numa produtora de shows, que tinha um problema sério que consistia em não ter artistas. Pois o Claudião, com argumentos exageradíssimos, convenceu o dono da produtora que o que faltava era um caminhão para carregar os equipamentos. Foi tão exageradamente convincente que o cara topou e ainda encarregou o próprio Claudião de escolher e comprar o caminhão.
Foi o que aconteceu. O único problema é que o caminhão era tão enorme e comprido que não cabia na ruazinha onde a produtora tinha sede. Hoje, serenamente, concluo que o problema não era o tamanho exagerado do caminhão, mas sim o exagero da timidez da rua.
Claudião comprou cavalos, apartamentos enormes, fez viagens incríveis, teve mulheres alucinantes, deu golpes fantásticos, teve prejuízos tremendos, tudo 50% a mais do que seria razoável ou crível. Quando ele dizia que tinha feito algo errado, não era uma erro: era uma tragédia colossal.
Quando contava uma piada e ria, 50% dos vizinhos do bairro ouviam a piada e a risada.

Mas o fato é que o cara era exagerado sobretudo no amor e na amizade. Aí não era 50% a mais: era tudo elevado a tudo. Nunca ninguém foi tão exagerado na solidariedade quanto o Claudião. Ninguém.

Com a morte do Claudião, vejo a mim mesmo e a todos os outros de nós, com nossas pequenezas e nosso apego mórbido pela saúde e pela vida. Eu me sinto miúdo e covarde perto do Claudião.

Não pude ficar até o fim da cerimônia, mas sugeri às crianças que tocassem "Exagerado" como trilha. Elas gostaram da ideia. Tomara que tenham conseguido baixar nos iCoisas e tocar.

2 comentários:

ctoller disse...

Triste...

Beto Melo disse...

A Cacá e as outras meninas e meninos conseguiram baixar a música nos iCoisas ou sei lá onde nem como.
Eu não estava lá, mas todo mundo me disse que tocou "Exagerado" enquanto a Cacá falava.
Espero que o Claudião me perdoe de não ter ficado lá; pelo menos sugeri a música. Já basta a vergonha de não ser tão exagerado quanto ele sempre nos disse pra ser.