quinta-feira, 8 de abril de 2010

Somos todos escravos felizes

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Toda vez que alguém escreve ou publica qualquer coisa em qualquer site, incluindo cada caractere deste post, eis um escravo feliz. Escravo de quem? Dos donos do site. Feliz por quê? Porque teve um surto de autoimportância.

Cada caractere deste post ficará para sempre nos servidores do Google (corporação que já desfrutou de enorme simpatia popular e hoje desfruta cada vez menos), junto com meus emails, minhas músicas, minha navegação, minhas preferências sexuais, meu endereço, minha cara, minhas fotos, minha alma, meu CPF, meus filhos, minhas compras, minha vida.

Tudo bem, você pode argumentar que nós, escravos felizes, somos pagos pelos serviços de graça que usamos. Além disso, somos pagos pelo sentimento patético de ser uma celebridade, não pelos 15 minutos do Wahrol, mas por 15 nanossegundos (sobre isso, basta ver, em tempo real, quantos tuítes são postados por segundo aqui. Imagine seu post genial no meio disso... você se acha mesmo uma celebridade?).

Ops... eu disse "de graça"? Essa é a grande confusão na celeuma entre conteúdo pago, conteúdo de graça, pirataria etc. Pouca gente navega de graça. É tudo pago: o computador, a energia, o tempo pessoal, os dados pessoais e, sobretudo, o acesso. As pessoas relutam em pagar por conteúdo na internet pelo sentimento natural de que já pagam bastante por isso tudo. Mas isso é tema para outro post.

Eu mesmo, como todo mundo que trabalha com a web (=todo mundo, queira ou não), sonha em ter uma legião de escravos felizes. Não são só os jornalistas-por-clique; hoje, todo mundo depende de cliques, e dependerá cada vez mais.

Voltando: a web colaborativa, apelidada de web dois ponto zero, é baseada no trabalho escravo. O fato de sermos escravos felizes não me comove nem um pouco porque, além de felizes, somos voluntários. Nunca se viu nada parecido na história, a não ser numa história do Asterix em que uns egípcios entravam numa galera romana e ficavam remando, achando que estavam num cruzeiro pelo Mediterrâneo. Reclamavam do serviço, da comida etc. Esse episódio deve estar aí, na web, pois algum escravo feliz certamente já teve o trabalho de escanear, "compartilhar" e dar renda de links patrocinados aos donos do site de qualquer-coisa-share. Só não pesquiso e ponho o link aqui porque, embora escravo, sou feliz mas preguiçoso.

Que algum outro escravo faça isso por mim, aí nos comentários, essa invenção da web para provar que existem escravos de escravos.


Ilustração Espártaco
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6 comentários:

LS disse...

Ops, uma correção: o ilustrador chama-se Espártaco. Espártaco dos Anjos, mas ele assina só Espártaco.
O cara é bom p/ trabalho escravo, mas às vezes se revolta. Tem um certo espírito suscetível.
Obrigado.

LS disse...

Agora só falta o sujeito existir mesmo (rs).

Anônimo disse...

Caro Beto: este mundo está muito contemporâneo para meu bico. A história morreu, como disse aquele japones, veja que a gente lê as postagens do blog do mais novo para o mais velho! É o blog do Benjamin Button (diria o macaco simão).
Presto minha reverência e estou a seu serviço, apesar de comovido com o terceiro renascimento da besta.
Longa vida,
Gordon

Beto Melo disse...

Pois é, Caro Lord Song, só me resta uma dúvida: qual teria sido mesmo o segundo nascimento da besta? Temo ter perdido esse filme ou ter dormido antes do final. Ou então o mundo está ficando muito erudito pro meu bico.

SPACCA É... disse...

uau, parabéns.
tudo bem, Beto?
estava procurando uma foto sua de perfil ou semi-perfil (que acanagem, o Orlando me passou aquela sua bem defrente, pra fazer caricatura está um parto) e caí neste teu blog.
Uma amiga minha dizia que quando estava por baixo, lia Nietzsche pra se sentir poderosa.
O seu blog é o contrario - li este dos escravos felizes e constato que sou um (mais um) merda :)
Muito bom este desencanto, é isso aí, realidade é pros fortes.
abração,
sp

Beto Melo disse...

Spacca... você por aqui! que honra!!! e quanto tempo. vamos nos ver no Ilustra Brasil, please. ou em qualquer lugar. Vou te caçar no twitter, feicebúqui etc... como um escravo feliz! Daí te mando mais fotos, porque, afinal, a vaidade é o pecado predileto do demônio...