quarta-feira, 21 de abril de 2010

Um goleiro devoto arruína o monoteísmo


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"Eu rezo três pai-nossos todos os jogos agradecendo a Deus por estar neste time. É complicado para o goleiro adversário."

A frase é do goleiro Felipe, do Santos, antes da partida contra o Santo André, na final do Campeonato Paulista. Ele explica que o ataque do Santos está tão aterrorizador para goleiros que só lhe resta apelar para ajuda divina, no que tem sido bem-sucedido. Do seu ponto de vista, se o deus dele não existisse (ou se fosse infiel às suas preces), ele próprio correria o risco de ser vendido para o Santo André no meio da semana e ter de enfrentar a motoniveladora santista composta por Neymar, Robinho, André, Ganso e demais meninos.

Acontece que o Santo André também tem um goleiro, o Júlio Cesar. Igualmente devoto, também deve rezar três pai-nossos todos os dias para ser vendido ao Santos no meio da semana. Como três é igual a três, e o deus de cada um deles é Justo e Verdadeiro, só há uma solução lógica para a equação: cada goleiro tem seu próprio deus.

Não sei quem são eles, os deuses, mas sei que os há aos milhares. Só no Brasil há uns 800 times profissionais e outros 13 mil amadores, que devem jogar pelo menos uma vez por semana. Como é preciso um deus para cada goleiro, chegamos à seguinte conta:

13.800 goleiros X 52 partidas por ano = 717.600 deuses por ano, só no Brasil.

Se você argumentar que cada goleiro tem o mesmo deus durante o ano inteiro (o que não é recomendável, uma vez que os deuses parecem ter humores diferentes a cada lance), voltamos aos 13.800 deuses-dos-goleiros, o que não se pode considerar exatamente monoteísmo. Nem estou contando os deuses dos centroavantes, dos meia-armadores, do laterais, dos zagueiros, do Dunga e... dos torcedores.

E aqui chegamos a um problema teológico importante: para que time torce esse deus monoteísta que tanto sucesso faz hoje em dia? Mais exatamente: para que time ele torce em cada campeonato? Ou em cada partida? Que goleiro ele protege? Que artilheiro ele abençoa?

Esse dilema nem me comove nem me mobiliza, mas o fato é que, numa partida de futebol, todos os jogadores rezam antes, durante e depois de entrar em campo. No entanto, os resultados acontecem, cruéis e reais.

A conclusão é que toda idiotice precisa da extrema e dedicada colaboração dos idiotas.

2 comentários:

disse...

oi roberto. simplesmente gostei muuuito do seu texto. sempre pensei nisso, quando vejo os jogadores rezando.... grande sacada. só no facebook eu já fico completamente atordoada com tanta gente falando tanta coisa diferente ao mesmo tempo.. imagina a cabeça de deus como é que fica?? (se fosse só um, por exemplo...). Haja tylenol!! Boa, adorei.

Beto Melo disse...

Obrigado, Dê. E olha que eu falei só dos jogadores. Imagine os deuses invocados nas guerras de verdade, ao longo de séculos e séculos...