sábado, 4 de fevereiro de 2017

O assassinato de Paulo Francis




Franz Paul Trannin da Matta Heilborn (1930-1997)


A tevê me lembra que fazem vinte anos que Paulo Francis morreu, vítima de infarto, em Nova Iorque. Resolvi rever "Caro Francis", de Nelson Hoineff um extenso documentário sobre ele. Está no Youtube, aqui. Mais adiante aponto em que momentos aparece o assunto deste post.

Paulo Francis foi o jornalista mais inteligente, provocador e polêmico que o Brasil jamais teve. É o nosso equivalente de H. L. Mencken. A primeira vez que li seus textos tinha 13 anos, lendo o Pasquim, em 1969. Não entendia direito mas já adorava, principalmente em contraste com idiotas que habitavam o jornal, como o Ziraldo. Mais tarde, relendo suas crônicas, entendi quase tudo.

Francis foi trotskista, o que eu mesmo me tornaria mais tarde, em minha curtíssima vida de militante. Depois trocou essas ideias pelas próprias e no fim arrumou emprego na TV Globo, o que deixou a esquerda indignada mas não eu.

O flaflu da internet hoje está em polvorosa em torno da questão se foi o não a Lava-jato e o juiz Moro os responsáveis pelo AVC que matou Marisa Letícia Lula da Silva.

Paulo Francis teve um infarto também associado a uma perseguição, mas muito mais nítida: uma SA estatal resolveu persegui-lo pessoalmente como jornalista. Ironicamente, a mesmíssima Petrobras que hoje é satanizada como fonte de corrupção petista. No documentário, esse caso começa em 1:09:30 e vai até o fim.

Como funcionam as SAs como a Petrobras


Como funciona a gestão de uma Sociedade Anônima? É controlada pelos seus acionistas. Acontece que há um acionista majoritário, ou controlador, que como o nome diz controla tudo, principalmente a diretoria e as assembleias de acionistas. Os minoritários, portanto, são apenas figurativos, que estão lá para auferir os lucros oriundos das suas ações na companhia, desde que a gestão organizada pelo majoritário resulte em lucro.

Portanto, as SAs não são nem sociedades nem anônimas. A Petrobras, por exemplo, tem dono: chama-se Governo Federal Brasileiro. E este acionista majoritário tem um chefe, que se chama presidente da República. Esse cara nomeia e demite, a seu bel-prazer, o presidente da Petrobras. Além disso, o presidente da República diz ao presidente da Petrobras o que fazer ou deixar de fazer com um telefonema, sob pena de demiti-lo.

O presidente da Petrobras, portanto, é um funcionário subordinado ao presidente da República.

Muito bem, dando nomes aos bois: Paulo Francis, baseado em fontes que nunca revelou, declarou, aos quatro ventos no programa Manhattan Connection, que a Petrobras sempre foi a maior fonte de corrupção que o Brasil jamais teve, que era dirigida por uma quadrilha chefiada por seu presidente, um sujeito chamado Joel Rennó. Afirmou que os membros de sua diretoria tinham dinheiro na Suíça.

Paulo Francis antecipou em 20 anos algo que hoje qualquer sujeito em qualquer botequim do mundo sabe: a Petrobras é um celeiro de corrupção. Hoje isso tudo foi investigado. Na época, foi tudo ao contrário.

A diretoria da Petrobras em 1996 obviamente se sentiu pessoalmente ofendida. Então fizeram o seguinte: contrataram caríssimos advogados para processar Paulo Francis nos Estados Unidos por danos morais. Valor da ação: 100 milhões de dólares! Com que dinheiro eles moveram essa ação? Com dinheiro da Petrobrás! Ou seja, comprovando que agiam como bandidos e rapinadores, protegidos por... por quem mesmo?

Protegidos pela impunidade garantida por seu chefe: Fernando Henrique Cardoso.

Quando o mandante manda por omissão abjeta


Como Fernando Henrique fez isso? Ele jura de pés juntos que "sugeriu" ao Joel Rennó que retirasse a ação. Que explicou ao Rennó que "o Francis é assim mesmo, fala sem pensar...", "deixa pra lá...". E depois esqueceu o assunto, como é do seu feitio. O depoimento de José Serra e de Fernando Henrique no documentário está em 1:14:17 e 1:14:39 respectivamente. FHC termina assim: "Não sei. Tiraram a ação?". Pausa para vomitar.

Fernando Henrique nunca teve apego ao trabalho, isso é notório. Gosta mesmo é de honrarias, sempre quis ser presidente da ONU, daí tantas viagens internacionais. Entre as muitas comendas e medalhas que ostenta, está mais essa: a morte de Paulo Francis. No peito ignóbil de Fernando Henrique, haverá sempre cravada uma medalha à sua covardia, sua inoperância, sua preguiça mórbida, sua vaidade suprema.

Sabendo que seu chefe era um banana, um invertebrado, Rennó ignorou o conselho e continuou a ação absurda que exigia de um jornalista 100 milhões de dólares, usando (roubando) dinheiro do povo brasileiro para ajuizar a ação que dizia ser pessoal.

A conexão entre o processo e o infarto de Paulo Francis é admitido com maior ou menor ênfase por muitos depoimentos no documentário, de gente de todos os matizes, inclusive o nada "petralha" Diogo Mainardi. Sônia Nolasco, viúva de Francis, no final, totalmente combalida, afasta a hipótese. "Acho que era a hora dele". Mas suas lágrimas não mentem.

Fernando Henrique teve o descaramento de perguntar uma vez: "Ué... mas então não tiraram aquela ação?". É muito abjeto, muito enauseante.

Fernando Henrique Cardoso foi o menor Fernando Henrique Cardoso que o Brasil teve em toda sua história.

Paulo Francis foi o maior Paulo Francis que o Brasil teve em toda sua história.

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