sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Teje preso, Google! Um FAQ sobre o caso




O diretor geral do Google no Brasil foi preso. Parece que não tirou do ar uns vídeos X, que infringiam sei lá qual lei eleitoral, pois ofendiam o candidato X numa cidade X.

Já fui preso uma vez, e fui chamado a depor outras duas pela polícia política da ditadura militar. Isso foi quase no paleolítico, em 1977, como se vê na foto. Não leram meus direitos, nada virou um processo, não me falaram pra chamar meus advogados, nada, o que demonstra que os roteiristas de filmes americanos, que me instruíram quando criança sobre como funciona o mundo, falharam mais uma vez. Eu já tinha 21 anos e consciência de que os mocinhos quase nunca vencem no final, mas ainda não sabia, pelo menos pessoalmente, que os caras não liam nossos direitos.

Fico imaginando a prisão do chefe do Google no Brasil, não sei se leram os direitos dele. A empresa é quase tão poderosa quanto a Esso era em 1977, razão pela qual o fato tem tantos aspectos bizarros e contraditórios que nem sei por onde começar.

Então, para esclarecer minhas próprias dúvidas, resolvi fazer um FAQ sobre o caso:

1. O Google/Youtube é responsável pelo que se publica nele?
R. Não. Processar o Google pelo que se publica no Youtube é como prender o fabricante do poste quando alguém "posta" um cartaz ofensivo nele, ou processar o dono dos orelhões por pornografia pelos adesivos com telefones de garotas e garotos de programa que são colados lá.

2. O Google censura o que se posta no Youtube? Se censura, por que não censurou os tais vídeos?
R. Sim, censura à vontade. Portanto, não é uma "plataforma" neutra, como se fosse a língua portuguesa ou a escala de cores do espectro luminoso. O Google censura segundo os termos da Constituição Suprema das Políticas de Privacidade, uma espécie de Corão que governa cada site. Essa resposta anula a resposta anterior, ou seja, se houver discordância entre a Política de Privacidade e a lei local, prevalece a primeira e, portanto, não adianta os sites falarem, em sua defesa, que são uma "plataforma".

3. Vocês já repararam que Google e God começam com as mesmas letras? Não seria melhor fundir as duas entidades, uma vez que ambas estão em todos os lugares? Algo como "Goodle", ou "Gog"?
R. Sim.

4. Vocês já repararam que, quando eu digito "Google" nos aplicativos em português do Google, o corretor automático não acusa nada, mas acusa erro quando se digita "God"? Google não é uma palavra inglesa, assim como God?
R. Sim, idiota. Você não leu a resposta anterior? Google nunca acusa erro, em nenhuma língua,pois é onipresente. Mas se você digitar "google", com minúscula, ou "googol" (a tradução para o português, segundo a edição brasileira do livro "Cosmos", da Carl Sagan), ambas recebem o risquinho vermelho embaixo, acusando erro. Ou seja, sei lá.

5. A justiça local deve prevalecer sobre a internacionalidade da web?
R. Não, de jeito nenhum. As justiças locais têm tanto futuro quanto o óleo de baleia como combustível e a TV aberta como meio de comunicação. Os juízes gostam da web, é lógico. Permite aos juízes fuçar uns nas carreiras dos outros e fazer bloqueios de contas on-line. Mas lutam, febrilmente, para extingui-la.

6. Qual seria então a solução para o problema dos vídeos que levaram o chefe do Google ao xilindró por algumas horas?
R. Simples. O juiz deveria obrigar o Google a revelar quem PUBLICOU o vídeo. E aí ir atrás dos caras que publicaram os tais vídeos. E aí obrigar a polícia a ir atrás do IP dos caras, sei lá. E por que não fariam isso com os donos dos postes? Porque os donos dos postes não sabem o endereço de quem colou os cartazes, mas o Google sabe. Tirar o Google (ou qualquer coisa) do ar é acabar com a liberdade de expressão, por incrível que pareça a qualquer juiz, eleitoral ou não.

7. Mas, se o Google ficar revelando o IP de todo mundo para as justiças locais, que fim levará a privacidade na web?
R. A privacidade na web não existe, nunca existiu. Se existisse, não se chamaria web. Ou você já viu algum Termo de Privacidade dizendo algo como: "Não forneceremos seu IP para nenhuma justiça local e defenderemos sua privacidade contra qualquer lei local com nossos próprios corpos e mouses! Receberemos oficiais de justiça a boladas de bolas de pebolim e os atacaremos com frutas, como naquele filminho do Monty Python!". Ora, gente, em que planeta vocês acham que nasceram? Se liga, mano.


quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Como fazer frases de efeito


Descobri a receita para fazer frases de efeito e pensamentos com defeito. Tipo essa que você acabou de ler.

Dificuldade: média
Rendimento: 1 porção

Ingredientes:
- 1 assunto, de preferência clássico ou fresco.
- 2 palavras ou conceitos com ligação fonética ou sintática, porém com oposição semântica. Prefira adjetivos.
- Componentes variados necessários para formar uma frase: sujeito, complementos, conjunções, vírgulas e, sobretudo, ponto final.
- Sal, pimenta-do-reino e um texto explicativo a gosto.

Modo de preparo:
Misture bem o assunto e os componentes até dar liga. Em seguida, disponha a massa em linha, como um nhoque. Reserve por 30 minutos.
Depois que a massa crescer (mas ainda estiver elástica e flexível), faça um corte mais ou menos no meio e acrescente o primeiro conceito. Na extremidade, acrescente o segundo conceito.
Leve ao forno por mais 30 minutos e depois sirva no Facebook, no Twitter ou no seu blog. Evite livros ou outros fornos editoriais, pois consomem muita energia. Se o sal e a pimenta-do-reino não surgirem naturalmente, sirva acompanhado de um texto explicativo.



Exemplo simplório:
“Um pequeno passo para um homem, um passo gigantesco para a humanidade”
Neil Armstrong, quando pôs o pé na Lua.
Assunto: a "conquista" da Lua
Palavras ou conceitos com ligação fonética ou sintática mas oposição semântica:
Pequeno X gigantesco
Sal e pimenta-do-reino: aquelas roupas esquisitas que os caras estavam usando.

Exemplo sofisticado:
"O silêncio de Duchamp afirma que a arte é uma das formas mais altas de existência, com a condição de que o criador escape a uma dupla armadilha: a ilusão da obra de arte e a tentação da máscara do artista. Ambos nos petrificam: a primeira faz de uma paixão uma prisão e a segunda, de uma liberdade, uma profissão".
Octavio Paz, "Marcel Duchamp ou o Castelo da Pureza".
Assunto: a arte segundo o silêncio de Duchamp
Palavras ou conceitos com ligação fonética ou sintática mas oposição semântica:
Ilusão X tentação
Obra de arte X máscara do artista
Paixão X prisão
Liberdade X profissão
Sal e pimenta-do-reino: “Ambas nos petrificam”.

É isso.
Por favor não espalhem, ainda vamos ficar ricos com isso.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

A Vó Bel morreu. Está encerrada uma geração de avós de conto de fadas.

Isabel nasceu em 1927. Teve dois filhos (um deles a Tula, minha mulher e amor e companheira por intensos 17 anos) e quatro netos, dois deles, meus próprios filhos, o Gustavo e a Júlia. Seu marido se foi faz anos, o velho Raul, também uma figura completamente incomparável.
Hoje Isabel morreu, aparentemente em paz, com tudo resolvido e arrumado, do jeito que só ela sabia fazer.
A Isabel é a última avó de uma geração que nunca mais vai nascer. Era calorosa, sabia cozinhar e costurar, sabia inventar e contar histórias hipnóticas para os netos. Tinha muita astúcia na sua observação sobre a miséria moral das pessoas, mas sabia ser doce e humorada quando as comentava, com a maior falsa inocência.
Falsa inocente (por causa da inteligência aguda), a vó Bel encantou todo mundo à sua volta, pra começar, e acima de tudo, seus netos.
Os filhos da vó Bel eram bem complicados, e eu me incluo na matilha, pois me casei com sua filha. Sem estudos, ela tinha de administrar sua pequena prole de marxistas, trotskistas, maconheiros, dadaístas, depois jornalistas, editores empresários, enfim, toda aquela mistureba que os baby-boomers como nós (eu e toda a turma que nasceu nos anos 50) se tornou. Ela encarou tudo com uma intuição de milênios. A intuição das avós que não existirão mais, pois jamais haverá a arguta inteligência da inocência da Isabel.
Uma vez ela me disse, quando me separei da Tula: "Não vá fazer besteira, heim?"
Fiz um monte, é lógico.
Mas hoje, pensando nela, acho que posso me redimir.



quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Pelo diploma para lixeiros, escritores e jornalistas

Essa história de obrigatoriedade de diploma para jornalistas só não é mais sórdida por que é patética. Patética porque parece o quarteto de cordas do Titanic tentando salvar um naufrágio com uma melodia monocórdica. Sórdida por dois motivos: sua origem e seus propósitos.

Sua origem sórdida é conhecida: a obrigatoriedade de diploma para o exercício da profissão de jornalismo no Brasil foi instituída em 1969, graças a um acordo entre as duas entidades mais nefastas com que tive contato em toda minha curta vida: a ditadura militar e o stalinismo. Hoje, está prestes a ser "validada" democraticamente pela coalisão envergonhada que nos governa, a união oculta entre o PT e o PSDB, siglas que poderiam ser traduzidas como Partido do Tá-tudo-dominado-procês-banqueiros com o Partido da Sociedade Dos Banqueiros. Sim, queridos militantes de um ou de outro: vocês são iguais e não sabiam; apenas gerentes de banco. Vocês vão se juntar, mas conversamos sobre isso daqui a 10 anos.

Seus propósitos, os da lei, não são sórdidos, acabei de mudar de opinião. São ingênuos e desesperados. O diploma teve o efeito contrário -- e sempre terá -- do que supostamente pretendia. Inundou o mercado com diplomados, uma vez que nunca houve nem nunca haverá 10 ou 20 mil novas vagas por ano em redações neste país, nem em país nenhum. Países civilizados, todos eles, jamais instituíram diploma obrigatório para a liberdade de expressão.

Mas vamos ao assunto do post: quero diploma para lixeiros. Diploma superior, com disciplinas de química, ecobiologia, urbanismo, cibercultura, epistemologia, e tudo mais, inclusive jornalismo. Imagine um lixeiro que, inadvertidamente (por falta de formação superior específica), jogue fora um exemplar de revista junto com um pedaço de queijo podre. Agora vislumbre o que faria uma ratazana, atraída pelo odor do queijo, comendo um artigo do Diogo Mainardi. Pense nela se reproduzindo, às dezenas e centenas. Faça as contas: o que seria de nosso mundo, infestado por ratazanas leitoras do Diogo Mainardi?

Escritores também deveriam ter diploma. Houve um livro francês que se chamou no Brasil "Suicídio: Modo de Usar" (o livro foi proibido na França, acreditem). Li o livro e é uma merda, pelo simples fato de que não cumpre sua promessa. Dá conselhos do tipo: coma 358 sementes de maçã, serão tóxicas. Fiquei furioso, com vontade de pegar o dinheiro de volta. Se os autores tivessem diploma, jamais cometeriam essa lesão ao consumidor.

Adoradores de literatura adoram alardear que livros são "perigosos". Ora... se são mesmo, diploma neles!

Então que se exija diploma de todo mundo. E não esqueçam dos guardadores de carro, que, sem diploma, podem colocar uma bomba enquanto você janta e explodir sua família, por não ter tido aula de Ética e Deontologia, disciplina da ECA que, felizmente, sempre cabulei, assim como todas as outras de uma escola dirigida por um salazarista (apoiado por stalinistas como o agora santificado Wladimir Herzog). Em vez de assistir às aulas da ECA, resolvi virar jornalista. Era uma coisa ou outra.

Voltando, defendo o direito de um lixeiro escrever, fotografar, desenhar e reproduzir e distribuir suas ideias ou sua visão do mundo ou sua versão sobre o que aconteceu ontem. Defendo isso tanto quanto defendo o direito de o Diogo Mainardi escrever à vontade, pra quem quiser ler ou comer.

Jornalismo e literatura são perigosos, sim. Ainda bem. Por isso mesmo, nada de diploma, nada de domesticar a palavra, a imagem e a imaginação.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

O pecado da usura foi revogado e ninguém chiou


Acima, uma das imagens que apareceram quando digitei
"Ulisses Guimarães" no Google, em julho de 2012


A constituição de 1988 tentou perpetuar o que já estava em vigor antes dela: um limite numérico para o pecado da usura. Como não pegaria bem o texto legal de um estado constitucionalmente laico falar em "pecado", usaram seu equivalente secular, que se chama "crime".

O curioso é que, na cara dura, o tal artigo foi extinto, extirpado, apagado, como se não houvesse mais fé no maior país católico do mundo. Não houve uma única manchete de jornal, nem aqui nem no Vaticano, dando a notícia: "Pecado da usura é revogado no Brasil". Enfim, uma pouca-vergonha.

Veja como era em 1988:
Artigo 192:
§ 3º - As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.
Veja como ficou em 2003:
Emenda Constitucional Nº 40, de 29 de maio de 2003
Artigo 192:
§ 3°- (Revogado)

Revogado!!! Que gracinha!. Se fossem mais moderninhos, diriam: "Deletado!", ou "Fui!".

Bem, eu tive conta bancária e cheque especial em 1988 e nos anos seguintes. Lembro que os bancos cobravam juros colossais acima da inflação, todos os dias, em qualquer esquina, em todos os rincões do país, o que aliás fazem até hoje. Ou seja, cometiam o crime e o pecado da usura a céu aberto. Não sou eu que estou dizendo que era crime. Foi a Constituição de 1988.

Mas não me lembro de ver TODOS os donos de banco perseguidos como chefes do tráfico em operações especiais das tropas de elite. Nunca os vi escondidos em bunkers nas favelas, mas sim protegidos em mansões com segurança máxima montada às avessas: para evitar a entrada de bandidos e não a saída deles. Também nunca vi um banqueiro ser expulso de uma igreja, salpicado de água benta, sob berros de "Sai, Satanás!".

Nada disso. As taxas de juros cobradas pelos bancos eram divulgadas e discutidas alegremente na TV. Sob a letra da lei, isso é equivalente a reconhecer como normal se todo o dia o Jornal da Globo anunciasse a cotação da cocaína junto com a taxa de juros do cheque especial (nesse caso, a palavra "especial", vamos combinar, é de uma comédia sem pudor).

Em 2003, quando os banqueiros finalmente tiveram a segurança institucional de governar o país (uma vez que os patetas do PSDB caíram fora e os petistas do PT caíram dentro, por incapacidade genética dos primeiros em anestesiar os sindicatos e o MST, o que passou a ser feito com perícia e eficácia só a partir de janeiro de 2003), o tal artigo caiu como maçã podre, apodrecida no pé.

Já fui alertado por amigos entendidos, como se isso me comovesse: "Peraí, essa lei nunca foi regulamentada, por isso não era aplicada!" Ok, mas, até onde entendi lendo as letrinhas que li, a tal constituição era clara como céu aberto: crime, crime, C-R-I-M-E. Ou seja, se o artigo não foi regulamentado, tanto pior. O crime é ainda mais grave.

Além disso, pergunto: se não precisava cumprir o artigo, por que então foi necessário revogá-lo? Por que os funcionários de banco que assinaram a revogação do artigo assim o fizeram? Fiz umas contas e concluí que era mais econômico, para os bancos, revogar a comédia do que subornar deputados e senadores ano após ano para que não o regulamentassem ou ameaçassem fazê-lo. Pagar à vista, os bancos sabem, é sempre melhor do que em prestações, razão pela qual sempre preferem receber em prestações, mesmo que arriscadas. Se forem muito arriscadas, basta transformá-las em derivativos.

Numa hora dessas, lamento mesmo é ser ateu, o que me faz não acreditar em inferno. Fervorosos católicos donos de banco, quando mortos, viram só comida de vermes, e o presidente da cínica Constituinte da época, apenas comida de camarões (animais onívoros sem o menor senso estético; imaginem comer o Ulisses Guimarães). Portanto, nenhum deles está ardendo em brasas em um dos círculos do inferno de Dante.

Se alguém aí tiver estômago forte, que leia abaixo o nome das criaturas que fazem esse tipo de coisa.


Mesa da Câmara dos DeputadosMesa do Senado Federal
Deputado JOÃO PAULO CUNHA
Presidente
Senador JOSÉ SARNEY
Presidente
Deputado INOCÊNCIO DE OLIVEIRA
1º Vice-Presidente
Senador PAULO PAIM
1º Vice-Presidente
Deputado LUIZ PIAUHYLINO
2º Vice-Presidente
Senador EDUARDO SIQUEIRA CAMPOS
2º Vice-Presidente
Deputado GEDDEL VIEIRA LIMA
1º Secretário
Senador ROMEU TUMA
1º Secretário
Deputado SEVERINO CAVALCANTI
2º Secretário
Senador ALBERTO SILVA
2º Secretário
Deputado NILTON CAPIXABA
3º Secretário
Senador HERÁCLITO FORTES
3º Secretário
Deputado CIRO NOGUEIRA
4º Secretário
Senador SÉRGIO ZAMBIASI
4º Secretário

sábado, 31 de março de 2012

Millôr Fernandes, Marcel Duchamp, Álvaro Pereira Júnior e um palpite infeliz

Li há tempos o texto na Folha do Álvaro Pereira Júnior, que conheci pouco pessoalmente mas muito admiro, sobre o Millôr. É uma merda ter um blog chamado "Isso não me comove" e ficar comovido quando morre alguém ou quando alguém escreve qualquer coisa. Paciência. E o que é pior: fazer um post, algo que eu decidi ser raro. Ok, não é todo ano que morre um Millôr.
Fiquei comovido com o artigo porque eu também tenho meu exemplar de "Trinta Anos de Mim Mesmo", do Millôr. Só não está tão detonado quanto o exemplar do Álvaro provavelmente pelo fato de eu não ter consultado, tantas vezes quanto ele, aquela foto completamente improvável do nu frontal, em um livro, na estante de casa. Isso era bastante improvável naquele tempo. Não sei como alguém que fez Química na USP (o Álvaro) tinha esse livro em casa. Meu pai era jornalista, ok. E o dele?
Acontece que vi um título na home do UOL, segundo o qual o Ziraldo comparava o Millôr ao Chico Anísio. É como comparar o Planck com um chipanzé de circo. Nem entrei no link.
O Ziraldo foi completamente infeliz, mais de uma vez na vida. Li no Pasquim, quando eu tinha a idade do Álvaro lendo o "Trinta", ou seja, antes do Álvaro, um texto que eu acho que era do Jaguar sobre o Ziraldo. Falava que o caratinguense tinha um "desenhímetro", um taxímetro de desenhos para ganhar dinheiro com publicidade e coisas afins. O cara sentava na prancheta e ligava o desenhímetro. Ninguém com menos de 55 anos sabe o que era o Pasquim ao vivo. Eu também, em 1969, como o Álvaro, nos anos 70, não entendia 10% do que estava escrito ali. Mas lia, por intuição, sei lá.
Só tem dois mortos que eu realmente admiro (não cito os vivos porque sei a merda que é o ego, e meu próprio ego acha que eles vão ler esse post). Um chama Millôr Fernandes, o outro, Marcel Duchamp. Os dois foram irrepreensíveis e irrefutáveis. Um destruiu o humor (por não deixar mais opções, apenas exercícios de aeróbica), o outro, a Arte, pelos mesmos motivos.
Putz, tem o Zappa também, mas esse chegou tarde demais.


sábado, 21 de janeiro de 2012

Jobim chupou Chopin

Parece que chupou até no nome. Para um argentino, por exemplo, CH e J soam iguais.

Já é bastante conhecido o plágio de Insensatez em relação a um prelúdio do Chopin (opus 28, número 4). A sequência de acordes característica da canção foi copiada do prelúdio, que também ficou famoso justamente pelo inusitado encadeamento de acordes, só que composto 100 anos antes. Isso já foi objeto de teses, artigos, posts aos montes e vídeos no Youtube (procurem aí na web, mas cuidado para não serem presos pelo FBI). Jobim morto, ficou tudo sepultado como "citação" e "inspiração".

Acontece que eu descobri outra "fonte" do nosso maior compositor de música popular: a melodia de Retrato em Branco e Preto veio direto de um trinado do noturno Opus 9 Número 2, uma peça bastante popular mas também respeitada pelos entendidos, graças a complexos achados musicais. Noturno de quem? Chopin, é claro.

"Trinado" é um truque na música que consiste em tocar muito rápido duas notas vizinhas. Nesse caso, Chopin fez um trinado sofisticado e raro, com quatro notas vizinhas. Fica no finalzinho do noturno, veja abaixo (pintei de amarelo a célula que se repete):


Noturno Opus 9 número 2 - Chopin (clique para ampliar)

A melodia de Retrato em Branco em Preto, saudada como uma criação genial e sofisticada do Jobim, é exatamente esse trinado do Chopin, só que tocado lentamente e em outro tom. Veja a partitura:



Retrato em Branco e Preto - Jobim (clique para ampliar)

Em resumo: quem compôs a melodia de Retrato em Branco e Preto foi Frédéric Chopin, não Antônio Carlos Jobim. Não é a melodia inteira, obviamente, e a canção do Jobim faz evoluções e variações. Mas o que há de realmente inventivo na melodia é essa célula e sua repetição. Essa é a "sacada" original. O que Jobim teve de genial foi copiar uma célula rapidíssima e reduzir drasticamente a velocidade, tornando a cópia quase imperceptível. Golpe de mestre.

Para quem não entende bulhufas de partituras, arranhei no piano e gravei a prova num iPhone vagabundo. Peço desculpas por não ser pianista. Toco piano quase tão mal quanto o Jobim, mas só gravei pra explicar melhor aos nãoiniciados. Começo tocando o trinado e vou diminuindo a velocidade até chegar a Retrato em Branco e Preto:





Se não funcionar, tente aqui:
http://robertomelo.com.br/jobimchopin.mp3



A essa altura, e isso realmente não me comove, os fãs do Jobim já devem estar furiosos. Vão dizer que isso não é plágio, mas sim citação e inspiração. Como diria a Tati Quebrabarraco: "Calma, minha gente, é só marca de fogão".

De fato os compositores clássicos usavam pequenas "células musicais" como tema. A mais famosa é a quinta sinfonia do Beethoven, construída com centenas de variações de uma célula simples e famosíssima: tá-tá-tá-táááá. Dizem que os compositores clássicos eram desafiados por príncipes e outros nobres inúteis, que apresentavam um tema bobinho para que se fizessem sinfonias inteiras. Na falta de príncipes, nosso Chopin ia direto à fonte: o próprio Chopin.

Aliás, esse mesmo noturno tem uma sequência harmônica que foi usada em "Eu Te Amo", do Jobim. É uma sequência rara, com um acorde estranho, mas é tão difícil de explicar que deu preguiça.

Durante os primeiros 25 anos da minha vida, não gostava de Chopin. Achava os românticos simplesmente enjoativos e cafonas, com excesso de notas, excesso de "emoções", excesso de tudo. Um dia um professor da ECA me fez entender que o cara era um revolucionário na estrutura das músicas. Ele esticou um bocado o sistema tonal. Passei a observar sem preconceito e vi que o polonês realmente mandou bem, e não tinha culpa se suas músicas passaram a ser sistematicamente assassinadas em casamentos por tecladistas.

Também gosto do Jobim e achei saudável ele ter modernizado um bocado a música brasileira, embora tenha se baseado num estilo de jazz já ultrapassado na época de Chega de Saudade, uma vez que Miles Davis já estava na área, curado da heroína e detonando tudo. Também reconheço que o cara tinha um talento enorme para compor melodias e harmonias de canções populares.

O que me surpreende é esse tipo de "carona" nunca ter sido admitido, pelo menos publicamente ou pelo menos que eu saiba (li entrevistas, assisti a um DVD inteiro e não vi nada). O Jobim pegava uns pedaços de música erudita, transformava em popular, fazia isso com grande competência, mas depois deixava a impressão de que tirava suas melodias dos passarinhos do Brasil ou algo parecido.

Esse é o ponto. Em termos musicais, Chopin é mais legal do que os passarinhos. Por que não dar o crédito? Custa?