Já é bastante conhecido o plágio de Insensatez em relação a um prelúdio do Chopin (opus 28, número 4). A sequência de acordes característica da canção foi copiada do prelúdio, que também ficou famoso justamente pelo inusitado encadeamento de acordes, só que composto 100 anos antes. Isso já foi objeto de teses, artigos, posts aos montes e vídeos no Youtube (procurem aí na web, mas cuidado para não serem presos pelo FBI). Jobim morto, ficou tudo sepultado como "citação" e "inspiração".
Acontece que eu descobri outra "fonte" do nosso maior compositor de música popular: a melodia de Retrato em Branco e Preto veio direto de um trinado do noturno Opus 9 Número 2, uma peça bastante popular mas também respeitada pelos entendidos, graças a complexos achados musicais. Noturno de quem? Chopin, é claro.
"Trinado" é um truque na música que consiste em tocar muito rápido duas notas vizinhas. Nesse caso, Chopin fez um trinado sofisticado e raro, com quatro notas vizinhas. Fica no finalzinho do noturno, veja abaixo (pintei de amarelo a célula que se repete):
Noturno Opus 9 número 2 - Chopin (clique para ampliar)
A melodia de Retrato em Branco em Preto, saudada como uma criação genial e sofisticada do Jobim, é exatamente esse trinado do Chopin, só que tocado lentamente e em outro tom. Veja a partitura:
Retrato em Branco e Preto - Jobim (clique para ampliar)
Em resumo: quem compôs a melodia de Retrato em Branco e Preto foi Frédéric Chopin, não Antônio Carlos Jobim. Não é a melodia inteira, obviamente, e a canção do Jobim faz evoluções e variações. Mas o que há de realmente inventivo na melodia é essa célula e sua repetição. Essa é a "sacada" original. O que Jobim teve de genial foi copiar uma célula rapidíssima e reduzir drasticamente a velocidade, tornando a cópia quase imperceptível. Golpe de mestre.
Para quem não entende bulhufas de partituras, arranhei no piano e gravei a prova num iPhone vagabundo. Peço desculpas por não ser pianista. Toco piano quase tão mal quanto o Jobim, mas só gravei pra explicar melhor aos nãoiniciados. Começo tocando o trinado e vou diminuindo a velocidade até chegar a Retrato em Branco e Preto:
Se não funcionar, tente aqui:
http://robertomelo.com.br/jobimchopin.mp3
A essa altura, e isso realmente não me comove, os fãs do Jobim já devem estar furiosos. Vão dizer que isso não é plágio, mas sim citação e inspiração. Como diria a Tati Quebrabarraco: "Calma, minha gente, é só marca de fogão".
De fato os compositores clássicos usavam pequenas "células musicais" como tema. A mais famosa é a quinta sinfonia do Beethoven, construída com centenas de variações de uma célula simples e famosíssima: tá-tá-tá-táááá. Dizem que os compositores clássicos eram desafiados por príncipes e outros nobres inúteis, que apresentavam um tema bobinho para que se fizessem sinfonias inteiras. Na falta de príncipes, nosso Chopin ia direto à fonte: o próprio Chopin.
Aliás, esse mesmo noturno tem uma sequência harmônica que foi usada em "Eu Te Amo", do Jobim. É uma sequência rara, com um acorde estranho, mas é tão difícil de explicar que deu preguiça.
Durante os primeiros 25 anos da minha vida, não gostava de Chopin. Achava os românticos simplesmente enjoativos e cafonas, com excesso de notas, excesso de "emoções", excesso de tudo. Um dia um professor da ECA me fez entender que o cara era um revolucionário na estrutura das músicas. Ele esticou um bocado o sistema tonal. Passei a observar sem preconceito e vi que o polonês realmente mandou bem, e não tinha culpa se suas músicas passaram a ser sistematicamente assassinadas em casamentos por tecladistas.
Também gosto do Jobim e achei saudável ele ter modernizado um bocado a música brasileira, embora tenha se baseado num estilo de jazz já ultrapassado na época de Chega de Saudade, uma vez que Miles Davis já estava na área, curado da heroína e detonando tudo. Também reconheço que o cara tinha um talento enorme para compor melodias e harmonias de canções populares.
O que me surpreende é esse tipo de "carona" nunca ter sido admitido, pelo menos publicamente ou pelo menos que eu saiba (li entrevistas, assisti a um DVD inteiro e não vi nada). O Jobim pegava uns pedaços de música erudita, transformava em popular, fazia isso com grande competência, mas depois deixava a impressão de que tirava suas melodias dos passarinhos do Brasil ou algo parecido.
Esse é o ponto. Em termos musicais, Chopin é mais legal do que os passarinhos. Por que não dar o crédito? Custa?